Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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Arte em movimento: a potenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> arte na formação de educadores<br />
1. O ‘saber sensível’ 2<br />
186<br />
Em suma, o sensível não é apenas um momento<br />
que se poderia ou deveria superar, no quadro de<br />
um saber que progressivamente se depura. É<br />
preciso considerá-lo como elemento central no<br />
ato de conhecimento. (MAFEFESOLI, 1998, p.<br />
189)<br />
Assim como Duarte Jr (2001), preferi, neste<br />
artigo, utilizar a expressão “saber sensível”<br />
em detrimento do termo “conhecimento sensível”,<br />
porque a primeira possui um sentido mais<br />
amplo do que o segundo no que se refere a sua<br />
aplicabili<strong>da</strong>de no cotidiano, ou seja, o “sabedor”<br />
não se limita aos conhecimentos parciais sobre<br />
a reali<strong>da</strong>de, ele encharca suas ações diárias de<br />
saberes e habili<strong>da</strong>des mais abrangentes e incorporados<br />
entre si e ao seu viver cotidiano.<br />
Considerando a educação moderna, podemos<br />
constatar uma preferência latente do intelecto<br />
e uma desvalorização <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de. Ao<br />
fazer um histórico sobre a “razão instrumental”<br />
ou “razão calculante”, Duarte Jr (2001) destaca<br />
que, através <strong>da</strong> desvalorização do ser humano<br />
em nome do lucro, e <strong>da</strong> separação entre<br />
o corpo e a mente, o homem moderno foi submetido<br />
a uma deseducação dos seus sentidos<br />
em virtude de um ambiente deteriorado,<br />
espaços coletivos frios e imposições consumistas<br />
na nossa forma de ser e de viver em socie<strong>da</strong>de.<br />
Sobre a investi<strong>da</strong> <strong>da</strong> racionalização na<br />
socie<strong>da</strong>de moderna, como estratégia de anulação<br />
<strong>da</strong>s dimensões sensíveis humanas, Duarte<br />
Jr (2002) refere que:<br />
... o nosso estilo moderno de viver precisa ser<br />
visto como diretamente vinculado a uma maneira<br />
de se compreender o mundo e de sobre ele<br />
agir, maneira que se veio identificando como tributária<br />
dessa forma específica de atuação <strong>da</strong> razão<br />
humana: a forma instrumental, calculante,<br />
tecnicista, de se pensar o real. (...) Tal conhecimento,<br />
tendo (epistemologicamente) negado<br />
desde os seus primórdios o acesso sensível do<br />
ser humano ao mundo, veio crescendo, desumanizando<br />
o nosso planeta e as nossas relações<br />
sociais (...) a crise desse tipo de conhecimento<br />
que engendrou e a ela deu sustentação, em detrimento<br />
de outros tipos de saberes, em especial<br />
o saber sensível. (DUARTE JR, 2001, p, 69-70)<br />
Hoje se faz necessário o reconhecimento <strong>da</strong><br />
sensibili<strong>da</strong>de humana, enquanto forma de saber,<br />
sob pena de ficarmos cristalizados num<br />
mundo que nos toma como mercadorias e à<br />
produção do conhecimento como ativi<strong>da</strong>de “científica”<br />
elabora<strong>da</strong> por poucos ‘iluminados’.<br />
A superação desta concepção passa inicialmente<br />
pelo fortalecimento de uma educação que<br />
não tenha na divisão sujeito/objeto, na duali<strong>da</strong>de<br />
corpo/mente e na supervalorização <strong>da</strong> razão<br />
pura, seus pilares e forma. Deve-se entender<br />
também a importância de voltarmos “às coisas<br />
mesmas”, ou seja, ao refinamento e desenvolvimento<br />
dos nossos sentidos em face do mundo,<br />
e que, para tanto, é preciso lançar mão de<br />
uma proposta educativa que tenha como princípio<br />
o saber sensível como aquele “saber primeiro<br />
que vem sendo sistematicamente<br />
preterido em favor do conhecimento intelectivo”<br />
(DUARTE JR, 2001, p. 14).<br />
Mas o que significa esse “saber sensível”?<br />
Através de que se alcança esse saber sensível?<br />
Como se inter-relacionam os desejos individuais<br />
e coletivos neste processo de educação do sensível?<br />
Para responder a estas inquietações cito<br />
inicialmente Maffesoli (1998), quando traz a figura<br />
mitológica de Dionísio como contraponto à<br />
figura de Prometeu, que representa to<strong>da</strong> a instrumentali<strong>da</strong>de<br />
racional moderna:<br />
... convém elaborar um saber “Dionisíaco” que<br />
esteja o mais próximo possível de seu objeto.<br />
Um saber que seja capaz de integrar o caos ou<br />
que, pelo menos, conce<strong>da</strong> a este o lugar que lhe<br />
é próprio. Um saber que saiba, por mais paradoxal<br />
que isso possa parecer, estabelecer a topografia<br />
<strong>da</strong> incerteza e do impossível, <strong>da</strong> desordem<br />
e <strong>da</strong> efervescência, do trágico e do nãoracional.Coisas<br />
que, em graus diversos, atravessam<br />
as histórias individuais e coletivas.Coisas,<br />
portanto, que constituem a via crucis do ato de<br />
conhecimento ... (MAFFESOLI, 1998, p.13).<br />
Um saber também que se faz dialetizante,<br />
próprio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, que é teci<strong>da</strong> entre<br />
opostos que se complementam: perfeição –<br />
imperfeição, caos – harmonia, tragédia – co-<br />
2 Título inspirado na obra de DUARTE JR, João Francisco.<br />
O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba:<br />
Criar Edições, 2001.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 185-200, jan./jun., 2006