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Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb

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Um percurso de escutar por todos os lados, sem sentir ou sentindo o seu próprio lado: reflexões sobre o fazer artístico e ...<br />

Queixam-se que seus filhos não gostam do que<br />

fazem, não vêem graça em na<strong>da</strong> do que lhes é<br />

ensinado e que os folguedos vão se extinguir.<br />

Compreende-se a sua angústia. Aqueles que<br />

seriam seus herdeiros, por terem sido “treinados”<br />

desde pequenos, muitas vezes talentosos,<br />

não se interessam pela arte do pai ou <strong>da</strong> mãe,<br />

pelo menos pelo modo como ela se apresenta.<br />

A questão não é mu<strong>da</strong>r a cabeça do filho nem<br />

a cabeça do pai. A questão é entender as questões,<br />

pois to<strong>da</strong>s elas estão imbrica<strong>da</strong>s, se a proposta<br />

é criar uma “ensenanza”, como se diz<br />

em espanhol, um ensino-aprendizado, que correspon<strong>da</strong><br />

ao aprendizado <strong>da</strong>s nossas competências<br />

artísticas únicas. Há, então, uma transmissão<br />

sendo feita; é preciso entender como e por<br />

quê ela funcionou e continua funcionando assim,<br />

e que elementos podem ser recriados e<br />

aproveitados numa situação mais formal ou intensa<br />

de aprendizagem.<br />

Enfim, por que os herdeiros não se interessam<br />

pelo tradicional? E como fazer os jovens<br />

compreenderem e ao mesmo tempo encontrarem<br />

o que é novo e estranho dentro do que conhecem?<br />

Como poder aproveitar o que têm?<br />

Fazer como os estrangeiros, que usam o que<br />

absorvem aqui e depois nos mostram o que usaram<br />

de nós...Temos que poder fazer melhor,<br />

diferente. Fazermo-nos. Pensarmo-nos.<br />

A questão tem dois lados. Porque, muitas<br />

vezes, quando os jovens estão na tradição, começando<br />

a se interessar por ela, e em algum<br />

momento dão uma sugestão, enfim, tentam<br />

construir a ponte entre o mundo contemporâneo<br />

e a manifestação, são barrados, de uma<br />

forma ou outra, por seus mestres, que, muitas<br />

vezes, acumulam o papel de pais e mestres. A<br />

didática é sem palavras, normalmente. Um gesto<br />

de cabeça, um ritmo, uma bati<strong>da</strong> no instrumento,<br />

um olhar... E tudo se estabelece.<br />

Cito o exemplo de um encontro. Novembro<br />

de 2005, Chã de Camará, Maracatu Estrela de<br />

Ouro. Nesse encontro, estavam presentes os<br />

Mestres do Maracatu, dos Caboclinhos e do<br />

Cavalo Marinho. Discutiam quem poderia fazer<br />

o quê dentro de um possível espetáculo “condensado”,<br />

destinado a viajar para o exterior. Em<br />

certo momento, alguns citaram um dos meni-<br />

206<br />

nos que toca no Banco 6 e no Coco 7 , como alguém<br />

que poderia ir no Cavalo Marinho. Eles,<br />

sem falar, eliminaram a possibili<strong>da</strong>de de o menino<br />

ser treinado para o Cavalo Marinho. Por<br />

quê? Não sei. Apenas vi a cara do menino. Tudo<br />

se passou em poucos segundos, no silêncio <strong>da</strong>s<br />

decisões corporais. O quanto isso motivou ou<br />

desmotivou este jovem? Ele não teve voz. Deveria<br />

ter?<br />

Acredito que se deva buscar, sempre e antes<br />

de tudo, que as artes sejam formas de libertar<br />

as pessoas. No caso <strong>da</strong>s artes cênicas e do<br />

treinamento e transmissão em artes, que é a<br />

minha área, considero que a conscientização –<br />

ou melhor – a nossa reflexão espetaculariza<strong>da</strong><br />

sobre nós mesmos – pode lançar uma luz sobre<br />

nossos processos de individuação e de socialização<br />

– e que estes processos, se forem potencializados<br />

por percursos educativos eficazes e<br />

delicados, podem ser ver<strong>da</strong>deiras vias expressas<br />

de desenvolvimento para nós.<br />

Falemos do mercado. O que é isso? É a<br />

possibili<strong>da</strong>de – maior ou menor – de se sustentar<br />

fazendo Arte ou ensinando Arte depois de<br />

concluído um curso. Mas é mais que isso. O<br />

sujeito que não consegue se sustentar financeiramente<br />

com o seu oficio pode sentir que, por<br />

isso, não é um artista ou um educador. E isso,<br />

em parte, é ver<strong>da</strong>de, pois o tempo necessário<br />

para se dedicar ao trabalho precisa ser subsidiado<br />

financeiramente, senão o sujeito não tem<br />

como se manter enquanto profissional. A pressão<br />

social também colabora para essa compreensão.<br />

Mas num lugar onde não há público<br />

consumidor de artes, pela própria pobreza generaliza<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> população, como deve ser encarado<br />

este parâmetro? Ao mesmo tempo, há<br />

mercados e mercados. Há o mercado dos bares,<br />

dos restaurantes, dos shows folclóricos. Há<br />

o mercado – rarefeito – dos filmes – há o mercado<br />

– também rarefeito – <strong>da</strong>s produções subsidia<strong>da</strong>s<br />

pelo Estado, o grande pagador e o<br />

grande definidor – queira-se ou não – do rumo<br />

6 O Banco é o conjunto musical do Cavalo Marinho. É<br />

denominado assim porque consiste mesmo num banco de<br />

madeira, onde os músicos se sentam para começar a função.<br />

7 Coco. Manifestação musical e de <strong>da</strong>nça e canto nordestina.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 201-207, jan./jun., 2006

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