Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O teatro-educação enquanto componente curricular no meio rural: uma experiência na escola comunitária Brilho do Cristal<br />
– Faz o bolo com rapadura<br />
– Rapadura é muito cara.<br />
– A gente pode fazer o melaço<br />
– A gente pega cana na roça de pai.<br />
– Eu sei onde tem cana fita.<br />
– Depois a gente passa no escoraçador <strong>da</strong> casa<br />
de Elidiane<br />
– É aí a gente pega a garapa e põe no tacho<br />
para cozinhar<br />
– Demora muito para <strong>da</strong>r o ponto<br />
– A gente faz o fogo no terreiro, com três pedras<br />
é fácil.<br />
– Eu sei fazer<br />
– Eu mexo o taxo,<br />
– Eu também<br />
– Eu também...<br />
– Vamos marcar o dia para a gente ir tirar as<br />
canas...<br />
Após esse diálogo, todos partimos para a<br />
organização do feitio do melaço do bolo <strong>da</strong>s<br />
mães. Como Tudo no Brilho Vira Teatro eis<br />
que uma aluna falou sua grande idéia: “Podíamos<br />
fazer o Teatro <strong>da</strong> estória do bolo <strong>da</strong>s mães,<br />
podíamos contar com foi que fizemos o bolo, a<br />
aula onde tivemos a idéia de fazer o bolo, a idéia<br />
de fazermos o Teatro até o dia <strong>da</strong> apresentação...”<br />
Todos ficaram entusiasmados. Assumimos<br />
a proposta e lá fomos nós escrever os<br />
diálogos, reconstituir nossa história e identificar<br />
nossas cenas.<br />
Inicialmente, após relembrar oralmente nosso<br />
processo de fazer o bolo, que, inclusive, estava<br />
em plena ação, identificamos as cenas: a idéia<br />
de fazer o bolo e o melaço, pegar a cana, moer<br />
a cana, fazer o fogo, mexer a garapa, a busca<br />
dos outros ingredientes, fazendo o bolo e fechamento.<br />
Naturalmente to<strong>da</strong>s as cenas previstas<br />
no roteiro tinham acontecido e isso foi<br />
bastante interessante, pois, enquanto providenciávamos<br />
a confecção do bolo, as crianças identificavam<br />
cenas para o teatro, como por<br />
exemplo, quando estávamos moendo a cana<br />
uma criança falou: Regina não tem força para<br />
moer a cana... e uma outra rapi<strong>da</strong>mente falou:<br />
Vamos colocar isso na cena...<br />
Ficou combinado, entre eles, que os personagens<br />
não podiam ser interpretados pela própria<br />
pessoa. Ca<strong>da</strong> uma faria um colega e uma<br />
114<br />
aluna fez o personagem professora Rilmar. Ficou<br />
acor<strong>da</strong>do que íamos <strong>da</strong>r um caráter engraçado<br />
aos personagens através do exagero.<br />
Essa proposta evitava que eles se preocupassem<br />
em fazer a cópia do colega, além de tornar<br />
o exercício mais descontraído. Foi tudo<br />
muito divertido, as crianças se viam na outra<br />
e, às vezes, não conseguiam <strong>da</strong>r seguimento<br />
aos ensaios de tanto que riam ao se verem na<br />
outra. Entre as cenas colocamos músicas e<br />
poesias. Na festa <strong>da</strong>s mães, durante a apresentação,<br />
as mães não sabiam se riam <strong>da</strong> comici<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> cena ou se choravam de emoção<br />
diante <strong>da</strong> construção cênica.<br />
Assim, vivemos momentos inesquecíveis do<br />
fazer teatral. A partir de improvisações pudemos<br />
trabalhar com pequenas cenas, grandiosas<br />
para as crianças. Isso nos deu possibili<strong>da</strong>de de<br />
construirmos os textos coletivamente, na sala<br />
de aula. Normalmente os textos eram escritos<br />
depois que estavam bem vivenciados na cena.<br />
O texto, nesse caso, é um registro do que foi<br />
construído cenicamente, ele não é um texto que<br />
foi escrito para ser encenado e sim uma encenação,<br />
um texto corporal cênico, que se tornou<br />
texto literário-teatral.<br />
Nesse exercício dialógico e dialético exercitamos:<br />
falar e escutar, criticar e propor, refletir<br />
e expressar o pensamento, exercícios<br />
fun<strong>da</strong>mentais para a reflexão crítica não só dos<br />
elementos constituintes do Teatro como também<br />
<strong>da</strong> constituição de nossa socie<strong>da</strong>de. Dessa<br />
forma, não é difícil concor<strong>da</strong>r com Moreira<br />
e Silva, quando dizem que:<br />
O currículo não é o veículo de algo a ser transmitido<br />
e passivamente absorvido, mas o terreno<br />
em que ativamente se criará e produzirá cultura.<br />
O currículo é, assim, um terreno de produção e<br />
de política cultural, no qual os materiais existentes<br />
funcionam como matéria prima de criação,<br />
recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão.<br />
(1995, p. 28)<br />
Assim, nosso currículo foi se constituindo<br />
enquanto espaço de construção de conhecimento.<br />
A fruição <strong>da</strong>s crianças em relação à apreensão<br />
<strong>da</strong> proposta de Teatro-<strong>Educação</strong><br />
possibilitou uma desmistificação do fazer teatral,<br />
<strong>da</strong> idéia errônea de que criança não faz<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 99-115, jan./jun., 2006