Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Eclipse do Lúdico<br />
inte que paga por isso, no final <strong>da</strong>s contas 5 .<br />
Abaixo a situação de ensino/aprendizagem conduzi<strong>da</strong><br />
pela professora de 1ª série:<br />
⎯ Qual a marca de pasta dental?<br />
⎯ Eu uso Colgate.<br />
⎯ Ninguém usa Kollynos? Todo mundo usa<br />
Colgate? Tem a Kollynos, a Sorriso, Tandy.<br />
Qual o nome do leite (que aparece no manual)?<br />
⎯ Leite Ninho.<br />
⎯ Nescau, Leite em pó.<br />
⎯ Só Ninho?<br />
⎯ Não, Nescau. Em pó!<br />
⎯ Mas, qual o nome do leite?<br />
⎯ Ninho.<br />
⎯ Mas, tem outras marcas. Quero saber<br />
Itambé, ninguém usa? Cotochés?...<br />
⎯ Que mais? (Diz e escreve no quadro, em 1º<br />
lugar - Ninho). ⎯ Vejam o que vocês mais<br />
usam em casa e coloquem.<br />
⎯ Eu só uso mais Ninho.<br />
⎯ Qual o sabão?<br />
⎯ OMO (unânimes).<br />
⎯ Que mais? Qual o outro?<br />
⎯ Brilhante, ô tia, e aquele que chegou novo?<br />
⎯ Não tô lembra<strong>da</strong>, não.<br />
⎯ O Ala..., Ariel.<br />
⎯ Pode ser sabão em pedra também.<br />
⎯ Sabão de coco.<br />
⎯ Minuano.<br />
⎯ Tem o azul, pró.<br />
⎯ Serve para que esse material?<br />
⎯ Lavar casa, chão, o carro.<br />
⎯ E a pasta é pra quê?<br />
⎯ Escovar o dente...<br />
Esta situação se refere aqui ao abuso de um<br />
tipo de texto que vem sendo apresentado nos<br />
manuais como marca de produtos (merchandising),<br />
sem que se diga na<strong>da</strong> a respeito, nenhuma<br />
ressalva; os professores desavisa<strong>da</strong>mente trabalham<br />
com este tipo de texto num tal torpor que<br />
não se dão conta de que fazem propagan<strong>da</strong> sem<br />
receberem na<strong>da</strong> por isto. E a reprodução de um<br />
habitus, tal como denunciaram em idos de 1970,<br />
Bourdieu e Passeron, vai se sedimentando em<br />
práticas pe<strong>da</strong>gógicas aliena<strong>da</strong>s e alienantes.<br />
Bem, essas práticas aliena<strong>da</strong>s, mecânicas e<br />
acríticas estão longe de constituir-se em ativi<strong>da</strong>des<br />
lúdicas, menos ain<strong>da</strong> em ensino lúdico.<br />
24<br />
Elas roubam o espaço que poderia estar sendo<br />
utilizado com mais gosto para ambos os sujeitos<br />
do ato educativo, professores e educandos.<br />
Um trabalho pe<strong>da</strong>gógico que dispensa autoria<br />
jamais poderá ser lúdico, pois o ser criativo e,<br />
conseqüentemente, o trabalho como experiência<br />
plena nascem do desejo. E o desejo é autor.<br />
(In) conclusões<br />
Os exemplos que trazemos aqui são<br />
ilustrativos de outros contextos escolares. Evidentemente,<br />
a escola atravessa graves necessi<strong>da</strong>des.<br />
Necessi<strong>da</strong>des mínimas de funcionamento<br />
referentes, sobretudo, ao material de<br />
apoio para o ensino, onde se inclui os recursos<br />
didáticos e, nestes, o manual didático escolar.<br />
Aliás, a biblioteca está abarrota<strong>da</strong> de manuais<br />
didáticos – estes são, praticamente, a única<br />
fonte de informação e pesquisa dos professores<br />
e alunos, o que empobrece enormemente<br />
a prática educativa.<br />
No processo de mediação didática docente,<br />
ante os olhos e ouvidos dos alunos e o professor<br />
se antepõe, qual num eclipse, o livro didático,<br />
a roubar a autoria e criativi<strong>da</strong>des docentes,<br />
assim como a autonomia intelectual dos educandos.<br />
O contexto ilustrado aqui pode bem ser<br />
estendido a outras reali<strong>da</strong>des.<br />
Entretanto, há sinais nesta prática de que existe<br />
um potencial latente, adormecido. Um potencial<br />
criativo e lúdico que hiberna, mas que pode<br />
ser despertado à luz <strong>da</strong> esperança por melhores<br />
condições para o ensino. Esses nossos professores<br />
ain<strong>da</strong> mantêm acesa a chama, mesmo que<br />
sob condições tão adversas de trabalho, de tempo,<br />
de salário… Freire diagnostica: “É esta força<br />
misteriosa, às vezes chama<strong>da</strong> vocação, que<br />
explica a quase devoção com que a grande maioria<br />
do magistério nele permanece, apesar <strong>da</strong><br />
imorali<strong>da</strong>de dos salários. E não apenas permanece,<br />
mas cumpre, como pode, seu dever. Amorosamente,<br />
acrescento” (2000, p.161).<br />
5 As imagens publicitárias menciona<strong>da</strong>s aqui e presentes nos<br />
manuais analisados, se encontram no capítulo de análise dos<br />
manuais escolares <strong>da</strong> tese “Decifra-me ou te devoro. O que pode<br />
o professor frente ao manual escolar?”, Salvador: UFBA, 2002.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 15-25, jan./jun., 2006