Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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Coração de professor: o (des)encanto do trabalho sob uma visão sócio-histórica e lúdica<br />
do (psíquico, somático, espiritual), mas se constitui<br />
como uma síntese integradora. Dessa forma,<br />
assinala que o lúdico não é típico <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de<br />
infantil, a criança brinca porque é criança, mas<br />
o adulto brinca, não porque ain<strong>da</strong> é criança, e<br />
sim porque é um adulto que não perdeu a capaci<strong>da</strong>de<br />
de brincar.<br />
A capaci<strong>da</strong>de de brincar envolve espontanei<strong>da</strong>de,<br />
entrega, descontração, absorção e<br />
intencionali<strong>da</strong>de e, como na ativi<strong>da</strong>de de trabalho,<br />
pede o uso criativo <strong>da</strong> cognição, a imaginação<br />
e o vínculo. Percebemos o quanto é<br />
importante manter esta capaci<strong>da</strong>de no adulto,<br />
especialmente no professor, cujo trabalho é essencialmente<br />
interativo e cujo corpo é bloqueado<br />
pelos entraves decorrentes <strong>da</strong> ambigüi<strong>da</strong>de<br />
de sua profissão e <strong>da</strong> despersonalização <strong>da</strong>s<br />
relações vivi<strong>da</strong>s no ambiente escolar, como discutimos<br />
amplamente neste estudo.<br />
Neste sentido, compreendemos que não há<br />
espaço para o prazer, a alegria e criativi<strong>da</strong>de num<br />
corpo bloqueado e desencantado, e, por esta razão,<br />
a prática <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Lúdica precisa trabalhar<br />
com a vivência simultânea <strong>da</strong> mente e do<br />
corpo, desbloqueando as resistências 15 do profissional<br />
de educação. Portanto, como instrumento<br />
teórico e prático desta formação, o corpo do<br />
professor precisa ser “lido” e “vivido” neste processo,<br />
e foi o que analisamos no discurso dos<br />
professores sobre as ativi<strong>da</strong>des lúdico-corporais<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s no curso de extensão.<br />
Por que, então, não se tem atenção ao corpo<br />
do professor na sua formação? Sobre este<br />
assunto, uma <strong>da</strong>s professoras, na entrevista, nos<br />
fala <strong>da</strong> importância do trabalho lúdico-corporal,<br />
durante sua experiência no curso de extensão:<br />
94<br />
Então é importante que a gente sempre esteja<br />
voltando pro nosso corpo na prática. Porque<br />
uma coisa é a gente sentar, ir pra palestra,<br />
seminário, ir pra curso, ficar sentadinho<br />
balançando a cabeça ou intervir ou interceder<br />
com palavras. E outra coisa é a gente<br />
entrar pro corpo, porque nós somos o nosso<br />
corpo. Então a ver<strong>da</strong>de está no nosso corpo,<br />
coisas que as vezes que a gente fala e o corpo<br />
discor<strong>da</strong> e ali está a nossa ver<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong><br />
um de nós, um pouquinho ali. Assim, essa coisa<br />
<strong>da</strong> vivência é uma proposta que eu venho<br />
a tempo fazendo, mas é difícil (...) que se<br />
abrisse com a participação de professores<br />
nessa área do corpo mesmo. Porque não tem<br />
outra solução se não começar do professor, o<br />
professor se amando, se gostando, se conhecendo.<br />
Não precisa ser a questão <strong>da</strong> terapia<br />
necessariamente, mas você trabalhar inicialmente<br />
pelo corpo.<br />
Notamos neste depoimento que o sistema<br />
educacional contemporâneo não só nega os<br />
saberes <strong>da</strong> docência, mas do que isso, nega o<br />
seu próprio corpo como expressão do seu ser e<br />
estar no mundo. Entendemos que esta também<br />
pode ser uma maneira de desvalorizar o trabalho<br />
docente, pois negligencia a presença do seu<br />
próprio instrumento de trabalho. A professora<br />
parece denunciar este fato e propõe que o afeto<br />
e o autoconhecimento do professor sejam<br />
relevados nos cursos de formação, começando<br />
pelo corpo onde habita a ver<strong>da</strong>de dos sentimentos,<br />
pensamentos e ações.<br />
A esse respeito, segundo Wallon (1968), o<br />
corpo é o marco <strong>da</strong> existência concreta do ser<br />
no mundo e é também onde se inscrevem a dor<br />
e o prazer. Para ele, a emoção é a ressonância<br />
humana do desejo presente no corpo; este é integrado<br />
nos três campos – motor, afetivo e cognitivo<br />
– por isso faz, sente e cria.Similarmente,<br />
na abor<strong>da</strong>gem reichiana, a vi<strong>da</strong> do corpo é a história<br />
<strong>da</strong>s emoções e sentimentos vividos pela<br />
pessoa, ou seja, o corpo é o campo energético,<br />
força que permite viver e agir. Reich explica a<br />
estrutura psíquica como uni<strong>da</strong>de dinâmica de<br />
fatores bio-psíquico-sociais. Sendo integrados<br />
energeticamente, os processos psicológicos (psique)<br />
e os processos do corpo (soma) são funcionalmente<br />
idênticos, como explica o autor:<br />
O conceito de “identi<strong>da</strong>de funcional”, que tive<br />
de introduzir, significa apenas que as atitides<br />
musculares e as atitudes de caráter têm a mesma<br />
função no psiquismo: podem substituir-se e podem<br />
influenciar-se mutuamente. Basicamente,<br />
não podem separar-se. São equivalentes na sua<br />
função. (1961, p.230-231).<br />
15 O conceito de resistência difere do proferido por Giroux<br />
(1997), discutido nos capítulos <strong>da</strong> dissertação em foco.Neste<br />
momento de análise, ele ganhou o sentido psicanalítico<br />
concebido como forças inconscientes que se opõem ao<br />
processo de análise e a toma<strong>da</strong> de consciência para manter<br />
a neurose (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983).<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 79-98, jan./jun., 2006