Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Coração de professor: o (des)encanto do trabalho sob uma visão sócio-histórica e lúdica<br />
três posicionamentos. A primeira está liga<strong>da</strong> à<br />
pe<strong>da</strong>gogia tradicional 10 que não admitia a presença<br />
de jogos e brincadeiras em sala de aula.<br />
A segun<strong>da</strong> posição, de acordo com as autoras,<br />
se ancorou nas correntes pe<strong>da</strong>gógicas escolanovista<br />
11 e construtivista, e admite a importância<br />
do jogo como recurso ou fins para<br />
aprendizagem de conteúdos:<br />
Fica claro que, neste caso, o jogo só atinge seu<br />
status de importante na escola se estiver associado<br />
a essa função de facilitar ou exercitar conhecimentos.<br />
A proposição é feita pelo professor. Com<br />
essa prática, os professores acabam reduzindo a<br />
possibili<strong>da</strong>de de brincar a momentos, muitas vezes,<br />
sem significado para as crianças, pois descarta<br />
uma <strong>da</strong>s principais características do jogo,<br />
que é ser fruto de ação livre e voluntária. (POR-<br />
TO; CRUZ, 2002, p. 154).<br />
A terceira posição se recusa à visão <strong>da</strong> ludici<strong>da</strong>de<br />
como adorno ao processo ensino aprendizagem,<br />
e defende, além do jogo dirigido, a<br />
brincadeira livre na educação <strong>da</strong>s crianças, tendo<br />
como objetivo o desenvolvimento humano em<br />
sua integrali<strong>da</strong>de afetiva, motora e cognitiva.<br />
Na pesquisa realiza<strong>da</strong> com os professores,<br />
observamos que uma boa parte deles utiliza os<br />
jogos como facilitadores <strong>da</strong> aprendizagem ou<br />
para substituir o material escolar, de que o aluno,<br />
na maioria <strong>da</strong>s vezes, não dispõe por conta<br />
<strong>da</strong>s condições socioeconômicas, como podemos<br />
notar no discurso <strong>da</strong> professora a seguir:<br />
90<br />
A gente divide a turma em grupos e eles gostam<br />
muito de competir. Se eu for trabalhar, por exemplo,<br />
poluição <strong>da</strong> água, eu coloco dentro <strong>da</strong>s<br />
questões o grupo que responder um número de<br />
questões dentro do assunto. Fica uma certa rivali<strong>da</strong>de<br />
entre os grupos e eles ficam felizes<br />
quando conseguem acertar um determinado<br />
número de questões. (...) Porque às vezes a maioria<br />
não consegue atingir a média. É muito<br />
complicado, tem turma mesmo que não gosta<br />
de na<strong>da</strong> que exija assim, a população lá é muito<br />
carente, é tudo muito difícil, estou falando<br />
do pessoal do fun<strong>da</strong>mental, durante o dia, vai<br />
sem lápis sem caderno. Então, dentro destas<br />
coisas, destas ativi<strong>da</strong>des, eles conseguem se sair<br />
bem em alguma coisa. Para complementar: ‘O<br />
grupo que ganhou a brincadeira vai ganhar<br />
meio ponto na média’, isso motiva. E eu também<br />
me sinto melhor.<br />
A professora, embora tenha utilizado o jogo<br />
como mediador para a aprendizagem, trabalha<br />
com dois aspectos que compõem a pe<strong>da</strong>gogia<br />
tradicional; a competitivi<strong>da</strong>de e a prática de recompensar<br />
os estu<strong>da</strong>ntes por meio de pontos<br />
na nota. No primeiro aspecto, ela criou um “clima<br />
de rivali<strong>da</strong>de”, separando e dividindo a turma<br />
em torno do jogo proposto. No segundo<br />
aspecto, reforça a avaliação classificatória e<br />
rotulante que sustenta a prática tradicional na<br />
pe<strong>da</strong>gogia. Segundo Matui (1995), a educação<br />
tradicional apóia-se no maniqueísmo, atitude de<br />
separar e dividir os seres , entre bons e ruins, e<br />
na educação este pensamento é responsável<br />
pela separação entre prática e teoria, dissociando<br />
o pensamento e a prática.<br />
Já o terceiro posicionamento mencionado<br />
pelas autoras, ancora-se na construção dialética<br />
do conhecimento e parte do princípio <strong>da</strong><br />
aprendizagem significativa, ou seja, aquela que<br />
toma como contexto a vi<strong>da</strong> e incentiva atos criativos<br />
nos educandos, tendo como síntese a<br />
transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, bases <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia<br />
Histórica Crítica (SAVIANI, 2003).<br />
Deste modo, configura-se uma educação<br />
centra<strong>da</strong> na visão do ser humano integral e inacabado<br />
e na elaboração dialética do conhecimento,<br />
supõe uma relação criativa e harmônica<br />
sujeito/ mundo. Neste sentido, as ativi<strong>da</strong>des lúdicas<br />
podem servir como mediação na formação<br />
e no trabalho do educador, para ampliar seu<br />
vínculo com os educandos, para estabelecer<br />
maior contato com os afetos ligados a sua práxis<br />
pe<strong>da</strong>gógica, além do desenvolvimento do seu<br />
nível de potencial cognitivo 12 .<br />
Partindo deste ponto de vista, a prática pe<strong>da</strong>gógica<br />
lúdica deve ser entendi<strong>da</strong> não como aquela<br />
realiza<strong>da</strong> com a mera aplicação de técnicas de<br />
10 Pe<strong>da</strong>gogia que vê o homem dotado de um essência imutável<br />
e pratica um ensino autoritário e rígido, no qual o professor<br />
é um ser completo , sabe mais e tem maior autori<strong>da</strong>de,<br />
e o aluno é um ser incompleto, devendo ter respeito e<br />
obediência ao mestre. (MATUI, p. 1995).<br />
11 “Na escola nova, o adulto não é mais modelo para a<br />
educação <strong>da</strong>s crianças, porque ele também é um ser incompleto,<br />
em acabamento. Ninguém é dono <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de; não<br />
existe mais a autori<strong>da</strong>de do magister dixit.” (MATUI, 1995,<br />
p. 7).<br />
12 Nível de Desenvolvimento Potencial (VYGOTSKY,<br />
1988)<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 79-98, jan./jun., 2006