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Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb

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O teatro-educação enquanto componente curricular no meio rural: uma experiência na escola comunitária Brilho do Cristal<br />

<strong>da</strong>de cujo modelo social está fun<strong>da</strong>do em modelos<br />

hierárquicos: o patrão oprime o operário,<br />

que oprime a esposa, que oprime o filho que<br />

oprime o irmãozinho, que oprime... , modelos<br />

que estimulam o desejo dos oprimidos de um<br />

dia ser opressor ou ter o seu momento de opressor.<br />

Manter as crianças, que têm dificul<strong>da</strong>des<br />

em falar sem fala traduz nossas raízes sociais<br />

e culturais.<br />

É necessário acreditarmos que ca<strong>da</strong> criança,<br />

mesmo sem coragem de falar, tem algo a<br />

nos dizer. Tal exercício, tão distante <strong>da</strong> rotina<br />

<strong>da</strong>s nossas escolas, as deixava inibi<strong>da</strong>s. Algumas<br />

acham que suas falas são besteiras, outras<br />

acham que têm a voz feia. Infelizmente os fantasmas<br />

<strong>da</strong> nossa educação tradicional ron<strong>da</strong>m<br />

nossas crianças e a nós. Dialogar significa <strong>da</strong>r<br />

o direito a todos de falarem, escutarem, refletirem<br />

e proporem.<br />

102<br />

Não há também diálogo se não há uma intensa fé<br />

nos homens. Fé no seu poder de fazer e refazer.<br />

De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais,<br />

que não é privilégio de alguns eleitos, mas direitos<br />

dos homens. A fé nos homens é um <strong>da</strong>do a<br />

priori do diálogo. Por isso existe antes mesmo de<br />

que ele se instale. (FREIRE, 1987, p.81).<br />

Portanto, para transformarmos essas estruturas<br />

sociais opressoras precisamos mu<strong>da</strong>r nosso<br />

comportamento diante delas e precisamos<br />

nos reconstruir no exercício pe<strong>da</strong>gógico. Torna-se<br />

imprescindível a construção de ci<strong>da</strong>dãos<br />

autônomos, líderes, capazes de interferir nos<br />

modelos sociais autoritários.<br />

Minhas reflexões me faziam aumentar o<br />

desejo de estabelecer um diálogo com a comuni<strong>da</strong>de<br />

através do Teatro. Vislumbrava a possibili<strong>da</strong>de<br />

de interferir de maneira crítica e criativa<br />

no modelo de educação do Vale do Capão. E<br />

assim, as primeiras reflexões sobre o Teatroeducação<br />

no Vale do Capão iam aflorando.<br />

Brincando com o Teatro no Brilho<br />

Iniciamos o ano letivo de 1992 em festa, pois<br />

estávamos no nosso próprio prédio 3 . Ter nosso<br />

prédio significou nossa independência, nossa<br />

autonomia. Em assembléia geral, as crianças<br />

elegeram o nome <strong>da</strong> escola - Escola Comunitária<br />

Brilho do Cristal. Começamos com duas<br />

salas de aulas, uma varan<strong>da</strong>, uma pequena secretaria-biblioteca,<br />

horta, pomar, jardim, balanços<br />

e um aumento significativo no número de<br />

crianças na escola. Fun<strong>da</strong>mos nossa Associação<br />

de Pais Mestres e Amigos <strong>da</strong> Escola Comunitária<br />

Brilho do Cristal. Acreditávamos<br />

numa proposta coletiva, segundo a qual nossos<br />

encontros semanais com todos os professores<br />

seriam não só para planejar como também para<br />

refletirmos nossas práticas pe<strong>da</strong>gógicas, para<br />

<strong>da</strong>rmos e pedirmos aju<strong>da</strong> um ao outro.<br />

Nossa equipe discente era forma<strong>da</strong> por vinte<br />

e um alunos, entre sete e quinze anos, divididos<br />

em três grupos: uma sala multisseria<strong>da</strong> de<br />

1ª e 2ª série, uma sala multisseria<strong>da</strong> de e 3ª e 4ª<br />

série e um grupo de três crianças, de sete anos,<br />

na alfabetização. Tínhamos uma grande diferença<br />

de i<strong>da</strong>de em nossas salas de multisseria<strong>da</strong>s,<br />

o que se constituiu em um grande desafio.<br />

Segundo os pais <strong>da</strong>s crianças nativas, o costume<br />

local era de colocar as crianças na Escola a<br />

partir dos oito ou nove anos, pois consideravam<br />

que antes disso as crianças ain<strong>da</strong> estavam muito<br />

novas. Por outro lado, normalmente, desde<br />

os cinco ou seis anos as crianças já aju<strong>da</strong>vam<br />

na roça e já possuíam uma pequena enxa<strong>da</strong>.<br />

Havia um grupo de mais ou menos cinco alunos<br />

que se assumiam enquanto burros. Algumas<br />

vezes ouvi frases assim: esse negócio de<br />

estudo não é para mim... isso não entra na<br />

minha cabeça... eu não tenho jeito para os<br />

estudos... eu sou burro mesmo... Através de<br />

depoimentos <strong>da</strong>s crianças e de alguns pais nativos,<br />

soubemos que era costume, na Escola Pública<br />

do Vale Capão, os professores colocarem<br />

orelha de burro nas crianças, assim como, literalmente,<br />

chamá-los de burros. A situação era<br />

3 Em 1991 solicitamos à comuni<strong>da</strong>de de Lothlorien a doação<br />

de um terreno e nosso pedido foi atendido. Construímos<br />

nosso primeiro núcleo durante o ano letivo de 1991. Em<br />

sala de aula, fizemos nossa trena, medimos nosso terreno,<br />

desenhamos a planta-baixa <strong>da</strong> “escola dos nossos sonhos” e<br />

fizemos a maquete. Em mutirão limpamos o terreno, catamos<br />

pedras para os primeiros alicerces, tiramos madeira na<br />

mata para fazer o telhado, ganhamos telhas e cimento,<br />

fizemos rifas e pedágio, fizemos nossos adobes e levantamos<br />

nossas paredes.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 99-115, jan./jun., 2006

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