Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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O especial dos jogos e brincadeiras no atendimento às diferenças<br />
Como um meio de expressão artística, a sucata<br />
é considera<strong>da</strong> um material rico e de enorme<br />
potencial para ser explorado. A diversi<strong>da</strong>de<br />
de cores, formas, consistências, texturas e<br />
tamanhos incentivam a pesquisa e favorecem<br />
um trabalho com inúmeras possibili<strong>da</strong>des de<br />
exploração, desde o momento de sua seleção.<br />
Ao selecionar o material de que vai fazer<br />
uso para a construção do seu brinquedo, a criança<br />
envolve-se num mundo ilusório, ou seja,<br />
um copo plástico passa a ser a torre de um<br />
castelo. De acordo com Vygotsky (1998, p.<br />
127), “os objetos perdem a sua força determinadora.<br />
A criança vê um objeto, mas age de<br />
maneira diferente em relação àquilo que vê.<br />
Assim, é alcança<strong>da</strong> uma condição em que a<br />
criança começa a agir independentemente<br />
<strong>da</strong>quilo que vê”. Essa mu<strong>da</strong>nça do domínio do<br />
objeto/visível para a ação/imagina<strong>da</strong> sugere um<br />
avanço no desenvolvimento cognitivo <strong>da</strong> criança,<br />
pois ela passa a dirigir seu comportamento<br />
não somente pela percepção imediata<br />
dos objetos, mas pelo significado <strong>da</strong> situação<br />
imaginária.<br />
Todo esse processo não deve ser analisado<br />
à parte dos resultados no campo do<br />
desenvolvimento motor. O manuseio <strong>da</strong> varie<strong>da</strong>de<br />
de materiais, a realização de movimentos<br />
através de ações motoras, táteis, visuais<br />
e auditivas proporciona o trabalho com<br />
a psicomotrici<strong>da</strong>de, laterali<strong>da</strong>de e equilíbrio.<br />
Por tudo isso, é importante se garantir na<br />
escola um espaço onde a vivência <strong>da</strong> construção<br />
do brinquedo de sucata seja uma reali<strong>da</strong>de<br />
,de forma a favorecer o desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> criança.<br />
Os jogos e brincadeiras são também construções<br />
culturais, sendo mantidos e difundidos<br />
culturalmente. De acordo com Friedmann<br />
(1996), as brincadeiras tradicionais fazem parte<br />
<strong>da</strong> cultura popular e têm como características<br />
o fato de serem parte <strong>da</strong> tradição de um<br />
povo; anônimas quanto a sua criação; coletiviza<strong>da</strong>s<br />
pelo grupo do qual é parte e transmiti<strong>da</strong>s<br />
de geração em geração. Por isso, são passíveis<br />
de modificações na forma (regras), tendo em<br />
vista que não há preocupação com o seu registro<br />
em forma escrita, porém não no conteúdo.<br />
150<br />
É, portanto, através <strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de de um povo,<br />
de sua memória, que as brincadeiras tradicionais<br />
se perpetuam na cultura popular.<br />
A forma como a socie<strong>da</strong>de atual está organiza<strong>da</strong><br />
não tem favorecido a perpetuação dessas<br />
brincadeiras tradicionais. Outrora, eram<br />
comuns brincadeiras nas calça<strong>da</strong>s e o incentivo<br />
<strong>da</strong> família para que isso acontecesse. Hoje,<br />
com a disseminação <strong>da</strong> violência e <strong>da</strong> insegurança,<br />
a cultura do medo tem impossibilitado<br />
não apenas essas cenas, como também a substituição<br />
dessas práticas lúdicas por momentos<br />
em frente ao televisor, videogame ou computador.<br />
Os brinquedos confeccionados pelos adultos<br />
e crianças foram também substituídos pelos<br />
brinquedos produzidos em série pela indústria.<br />
No meu tempo, parte <strong>da</strong> alegria de brincar estava<br />
na alegria de construir o brinquedo. Fiz<br />
caminhõezinhos, carros de rolimã, caleidoscópios<br />
(...). (...) Os grandes, morrendo de inveja,<br />
mas sem coragem para brincar, brincavam fazendo<br />
brinquedos. As mães faziam bonecas<br />
de pano, arte maravilhosa hoje só cultiva<strong>da</strong><br />
por poucas artistas. (...) Hoje, quando a menina<br />
quer boneca, a mãe não faz boneca: compra<br />
uma boneca pronta que faz xixi, engatinha,<br />
chora, fala quando a gente aperta o botão, e é<br />
logo esqueci<strong>da</strong> no armário de brinquedos (AL-<br />
VES, 1997, p.119, 120).<br />
Nesse contexto, a escola tem uma importante<br />
função: a socialização do conhecimento<br />
historicamente construído, pois “... o ser humano<br />
nasce na cultura, mas não nasce com a cultura.<br />
A cultura é aprendi<strong>da</strong> socialmente, não<br />
transmiti<strong>da</strong> geneticamente. Logo, a inserção do<br />
indivíduo em determinado contexto cultural se<br />
faz mediante o processo gra<strong>da</strong>tivo de assimilação<br />
<strong>da</strong> cultura.” (SANTOS, 1998, p. 53).<br />
Dessa forma, o resgate dos jogos tradicionais<br />
pela escola e a confecção de brinquedos<br />
de sucata representam a garantia <strong>da</strong> perpetuação<br />
do patrimônio lúdico-cultural infantil nessa<br />
socie<strong>da</strong>de globaliza<strong>da</strong>. Entretanto, essa defesa<br />
não deve ser confundi<strong>da</strong> com uma proposta<br />
nostálgica, pois o resgate desses jogos e brinquedos<br />
dentro <strong>da</strong> escola deve ser visto não como<br />
a única, mas como mais uma possibili<strong>da</strong>de de<br />
valorização do lúdico pela educação.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 147-156, jan./jun., 2006