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Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb

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Um percurso de escutar por todos os lados, sem sentir ou sentindo o seu próprio lado: reflexões sobre o fazer artístico e ...<br />

como menores do que outros, estrangeiros, o<br />

que se percebe na carga horária a eles destina<strong>da</strong>,<br />

no lugar que ocupam no fluxograma e nas<br />

outras ativi<strong>da</strong>des acadêmicas, na forma como<br />

seus professores são tratados... Ao mesmo tempo,<br />

o novo, o que vem de fora é indispensável<br />

também. Não devemos ficar no nosso umbigo,<br />

todos sabemos disso. A questão é: como organizar<br />

a transmissão mais ou menos sistemática<br />

<strong>da</strong>s artes sem incorrer nos velhos vícios<br />

pe<strong>da</strong>gógicos de uma escola formal e colonizadora<br />

e de uma atitude burocrática?<br />

No âmbito do eixo de transmissão, me vêm<br />

à mente, pelo menos, dois tipos de transmissão<br />

tradicionalmente praticados, dois extremos didáticos,<br />

a partir dos quais muitas combinações<br />

são possíveis e efetivamente ocorrem; o primeiro<br />

deles é o eixo <strong>da</strong> transmissão num largo<br />

período de tempo, muitas vezes, inicia<strong>da</strong> na<br />

tenra infância, multifaceta<strong>da</strong> e eventualmente<br />

não conscientiza<strong>da</strong> pelos seus agentes; a este<br />

eixo pertencem praticamente to<strong>da</strong>s as tradições<br />

e manifestações culturais que aparecem sob a<br />

forma de festas mais ou menos institucionaliza<strong>da</strong>s<br />

e também outros saberes, tais como <strong>da</strong>nças<br />

rituais e religiosas afro-baianas, ro<strong>da</strong>s de<br />

samba de fim de semana no bar ou na varan<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> casa familiar, aprendizados de Arrocha 3 nas<br />

ruas e bailes, pagodes 4 e modismos diversos,<br />

sejam estes praticados pela juventude ou pertençam<br />

a estruturas cênicas considera<strong>da</strong>s tradicionais,<br />

como o samba de ro<strong>da</strong>, os ternos de<br />

reis, as festas estabeleci<strong>da</strong>s e às cenas dentro<br />

<strong>da</strong>s festas. Uma imagem que ilustra isso me<br />

vem: num dia de sol, a <strong>da</strong> filha de um colega, de<br />

dois anos, <strong>da</strong>nçando com seu pai, na festa de<br />

aniversário do sacerdote de uma casa tradicional<br />

<strong>da</strong> tradição religiosa afro-descendente.<br />

O outro modo de transmissão seria aquele<br />

que ocorre dentro de escolas e institutos criados<br />

para este fim. Escolas de arte, de <strong>da</strong>nça,<br />

academias, universi<strong>da</strong>de e escolas públicas, com<br />

mais ou menos inserção dentro do currículo<br />

escolar, variando desde as academias de <strong>da</strong>nça<br />

particulares, à Escola de Dança <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção<br />

Cultural e a <strong>da</strong> UFBA, aos cursos livres de teatro,<br />

pagos ou gratuitos. Quanto à música, esta<br />

se dá através <strong>da</strong>s aulas ofereci<strong>da</strong>s à comuni<strong>da</strong>-<br />

204<br />

de pela Escola de Música <strong>da</strong> UFBA, a EMUF-<br />

BA, e também pelos cursinhos particulares de<br />

instrumentos ou escolas na ci<strong>da</strong>de.<br />

Há também todo um treinamento social,<br />

talvez o mais presente e invisível, mais ou menos<br />

informal, mais ou menos permanente, sendo<br />

feito nos terreiros de Candomblé, nos<br />

bares <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, na farra; no próprio dia-adia<br />

baiano, pelos mais jovens – e também<br />

pelos mais velhos – que se encontra mais na<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de transmissão tradicional; e nisso<br />

ele se mescla ao aprendizado dos jovens<br />

ligados às aulas de <strong>da</strong>nça afro e afins, como<br />

a aeróbica que usa ritmos afro-baianos, as<br />

aulas de <strong>da</strong>nça <strong>da</strong> Escola de Dança <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção<br />

Cultural; enfim, onde for necessário<br />

um percussionista, haverá sempre uma rede<br />

de meninos ao redor dos atabaques, que vão<br />

“pegando” os ritmos, na esperança de “ganharem<br />

uns trocados” com isso.<br />

Observe-se aí que, dentro de uma escola,<br />

como é a <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção, por exemplo, vamos<br />

encontrar também a transmissão feita de maneira<br />

semelhante à tradicional, o que é interessante,<br />

pois é uma mixagem e se constitui num<br />

nicho a<strong>da</strong>ptado de aprendizado, ain<strong>da</strong> que já com<br />

um outro tipo de preocupação, aparentemente<br />

didática, mas muito próxima <strong>da</strong>quela do Candomblé,<br />

em que o sujeito vive imerso no ambiente<br />

sonoro, cinético e plástico e aprende, por<br />

assim dizer, por todos os lados, sem sentir.<br />

Por todos os lados, sem sentir. Esta também<br />

é uma boa caracterização do cotidiano,<br />

<strong>da</strong>quilo que se faz todos os dias, do automático.<br />

O espetacular, em contraparti<strong>da</strong> – e também a<br />

reflexão crítica – seria a possibili<strong>da</strong>de de se<br />

estranhar, de se desconhecer, de refletir, corporalmente,<br />

racionalmente, fisicamente. Estar<br />

um pouco de lado e poder se observar. Esta<br />

é a atitude que estamos tentando aqui. A atitude<br />

mais acadêmica, e paradoxalmente identifi-<br />

3 Dança muito populariza<strong>da</strong> de alguns anos para cá em Salvador,<br />

misto de ritmos de guarânia e de samba. Em Recife,<br />

este mesmo estilo de música é chamado Brega.<br />

4 Tipo de música e <strong>da</strong>nça oriun<strong>da</strong> dos sambas de quintal e de<br />

amigos, e mesmo chamado de pagode, que ocorre tanto no<br />

Recôncavo baiano quanto no Rio de Janeiro, ain<strong>da</strong> que com<br />

variações.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 201-207, jan./jun., 2006

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