Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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tampouco se fechar num gueto cultural nas<br />
metrópoles européias, segundo Forquin que considera<br />
que:<br />
... numa socie<strong>da</strong>de multicultural é injustificável<br />
privar certos indivíduos de benefícios intelectuais<br />
e sociais que podem propiciar a ampliação dos<br />
conhecimentos e o acesso a uma plurali<strong>da</strong>de de<br />
sistemas de referências e de valores. Para aqueles<br />
que se poderia chamar de multiculturalistas ‘liberais’,<br />
o respeito que se deve ás culturas não deve<br />
se exercer em detrimento do princípio de justiça<br />
entre as pessoas, e a identi<strong>da</strong>de cultural não deve<br />
se tornar nem um rótulo nem uma marca suscetíveis<br />
de constituir obstáculo ao desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de individual. O multiculturalismo <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de não deve ser também concebido como<br />
uma justaposição de ‘monoculturalismos’ fechados.<br />
Isto significa que, numa ótica pluralista liberal,<br />
não é somente a socie<strong>da</strong>de que é ou deve se<br />
tornar autenticamente multicultural, são os próprios<br />
indivíduos.” (1993, p. 138-139)<br />
Ele traz uma reflexão importante sobre a<br />
questão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de respeitar e incluir<br />
conteúdos, processos e valores particulares<br />
que de forma exclusivista não representariam<br />
uma solução e sim deveriam estar em diálogo<br />
com os conteúdos, processos, e valores universais<br />
de determina<strong>da</strong> época e região cultural<br />
e assim mesmo vão transformando os pilares<br />
de uma suposta universali<strong>da</strong>de que na ver<strong>da</strong>de<br />
se compõe e recompõe pelas diversas contribuições<br />
e reivindicações particulares no caso<br />
mais ideal de uma socie<strong>da</strong>de pluralista.<br />
A conclusão parece ser que a universali<strong>da</strong>de é<br />
incomparável com qualquer particulari<strong>da</strong>de e,<br />
entretanto, não pode existir à parte do particular.<br />
Nos termos <strong>da</strong> análise anterior: se apenas protagonistas<br />
particulares, ou constelações de protagonistas<br />
particulares, podem atualizar a qualquer<br />
momento o universal, nesse caso a possibili<strong>da</strong>de<br />
de tornar visível o não-encerramento inerente<br />
a uma socie<strong>da</strong>de pós-domina<strong>da</strong> – isto é uma<br />
socie<strong>da</strong>de que tenta transcender a própria forma<br />
de dominação – depende de se tornar permanente<br />
a assimetria entre o universal e o particular.<br />
O universal é incomparável com o particular,<br />
mas não pode, entretanto existir sem o último.”<br />
(LACLAU, 2001, p. 248)<br />
Laclau aponta uma pista para o eterno conflito<br />
entre ver<strong>da</strong>des universais que se tornam<br />
Katharina Döring<br />
hegemônicas, pouco flexíveis e exclusivas e<br />
ver<strong>da</strong>des particulares que nascem no bojo de<br />
movimentos, lugares e pessoas autênticas, experiências<br />
originais que precisam lutar para seu<br />
reconhecimento e assim de certa forma passam<br />
a tornar ser parte do universal que já não<br />
seria mais o mesmo. A diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s artes e<br />
culturas locais brasileiras pode servir muito bem<br />
para ilustrar uma situação que estaria digamos<br />
justamente no ponto <strong>da</strong> mutação onde o universal<br />
ain<strong>da</strong> resiste e marginaliza (“folcloriza”)<br />
estas musicali<strong>da</strong>des, narrativas e corporei<strong>da</strong>des,<br />
percebendo ao mesmo tempo, que o chão está<br />
fértil para uma ampliação e incorporação à<br />
Cultura Brasileira.<br />
Evidentemente os resultados de um projeto<br />
educacional artístico e cultural com cara nordestina<br />
ain<strong>da</strong> serão parciais e não podem abranger<br />
to<strong>da</strong> a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> inserção <strong>da</strong>s artes<br />
e culturas locais nos espaços e processos educacionais<br />
e as implicações acima discuti<strong>da</strong>s. No<br />
entanto, pretende se construir o início de um<br />
diálogo em longo prazo entre os saberes dos<br />
mestres <strong>da</strong> tradição oral e dos jovens que de<br />
certa maneira se complementam, pois são ambos<br />
saberes e experiências particulares que<br />
buscam uma inserção, um reconhecimento e<br />
mesmo uma transformação dos paradigmas<br />
universais de uma cultura brasileira que ain<strong>da</strong><br />
nem se conhece profun<strong>da</strong>mente. Para este diálogo<br />
estético e musical acontecer, é necessário<br />
afirmar o valor <strong>da</strong> ancestrali<strong>da</strong>de e do<br />
respeito profundo pelos conhecimentos e atitudes<br />
dos mais velhos e saber escutar e aprender<br />
com eles de forma presencial, complementado<br />
por dinâmicas e recursos didáticos e materiais<br />
do ensino musical e <strong>da</strong> arte-educação contemporânea.<br />
Pois, não se pretende criar um ensino-aprendizagem<br />
que consiste na repetição e<br />
imitação <strong>da</strong>s artes e culturas locais sem reflexões<br />
e contribuições estéticas próprias, que<br />
devem ser desenvolvi<strong>da</strong>s a partir desse encontro<br />
entre as gerações e regiões. Isto significa<br />
que to<strong>da</strong> a quali<strong>da</strong>de e o legado <strong>da</strong> cultura musical<br />
européia e de outras culturas universaliza<strong>da</strong>s,<br />
como também a vivência cultural, os<br />
desejos e ideais musicais dos jovens nas periferias<br />
urbanas e rurais fazem parte desse diálo-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 173-184, jan./jun., 2006 179