Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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COHN, Clarice. Antropologia <strong>da</strong> criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, 58 p.<br />
266<br />
As crianças como sujeitos sociais<br />
Eric Maheu ∗<br />
COHN, Clarice. The Anthropology of Children. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,<br />
2005, 58 p.<br />
O livro de Clarice Cohn atende muito bem<br />
aos objetivos <strong>da</strong> coleção “Passo a Passo”, na<br />
qual está publicado, por ser muito acessível e<br />
atualizado. Este volume constitui ver<strong>da</strong>deiramente<br />
uma introdução ideal sobre o assunto para os<br />
neófitos e me parece muito bem vindo no contexto<br />
atual, pois a área de educação no Brasil é<br />
bastante domina<strong>da</strong> por perspectivas psicológicas<br />
pouco atentas às dimensões mais vela<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>s variações culturais.<br />
Por esse motivo, embora sejam relativamente<br />
conhecidos os trabalhos pioneiros de Philippe<br />
Ariès sobre a criança no Antigo Regime,<br />
persiste ain<strong>da</strong>, entre os pesquisadores em educação,<br />
uma forte tendência em naturalizar a<br />
infância e, por isso, em não ouvir as vozes <strong>da</strong>s<br />
pessoas rotula<strong>da</strong>s como “crianças”. Quantas<br />
pesquisas sobre a escola brasileira procuram<br />
saber como os alunos representam a escola,<br />
quais são as suas estratégias para aprender ou<br />
não aprender, como eles dão um sentido ao<br />
mundo que os rodeia? As crianças que aparecem<br />
nas pesquisas são, ora vitimas, ora reflexos<br />
(<strong>da</strong> exploração, <strong>da</strong> corrupção, <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de,<br />
do racismo, do subfinanciamento <strong>da</strong><br />
educação pública, etc.). Uma perspectiva antropológica<br />
sobre a criança pode nos permitir,<br />
como afirma Cohn, superar esta perspectiva <strong>da</strong><br />
criança como um ser incompleto a ser formado,<br />
o que nos impede de considerar seriamente<br />
o seu ponto de vista como sujeito social. Cohn<br />
inicia a sua apresentação dos estudos antropológicos<br />
pelos estudos clássicos de Margareth<br />
Mead e Gregory Batheson, que relativizaram e<br />
desnaturalizaram tanto a infância como a adolescência,<br />
mas que, como as perspectivas estrutural-funcionalistas<br />
a seguir, mantinham a<br />
visão <strong>da</strong> criança como objeto (de um processo<br />
de socialização) e ser inacabado. Estes abor<strong>da</strong>gens<br />
permitiram a inserção <strong>da</strong>s crianças em<br />
seus contextos socioculturais, porém não abriram<br />
as perspectivas para uma concepção mais<br />
ativa <strong>da</strong> infância.<br />
O olhar sobre as coisas mu<strong>da</strong> com o surgimento<br />
de uma perspectiva mais complexa e mais<br />
dinâmica <strong>da</strong> cultura como sistema simbólico nos<br />
anos 1960. Enquanto a socie<strong>da</strong>de era pensa<strong>da</strong><br />
só em termos <strong>da</strong> transmissão e aquisição (de<br />
valores, normas) não se podia conferir uma<br />
perspectiva ativa à criança que doravante passava<br />
a “… ter um papel ativo na definição de<br />
sua própria condição.” (p.32)<br />
A autora ilustra este papel ativo, doravante,<br />
presente na antropologia <strong>da</strong> criança em várias<br />
pesquisas: sobre as crianças Xicrin que ela<br />
mesma estudou, sobre meninos de rua de São<br />
Paulo e crianças Fiji. Em todos estes casos, as<br />
crianças pesquisa<strong>da</strong>s se revelam como produtores<br />
de cultura e como tendo uma relativa autonomia<br />
cultural em relação ao mundo adulto.<br />
No final, abor<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> pesquisa em<br />
educação enriqueci<strong>da</strong> por uma antropologia <strong>da</strong><br />
criança: “em ca<strong>da</strong> caso, uma concepção de<br />
pessoa, criança e aprendizagem conformará um<br />
modelo específico de transmissão e apropriação<br />
de conhecimentos” (p.39). Em ca<strong>da</strong> contexto<br />
sociocultural existe um modelo diferente,<br />
não só de ensino e aprendizagem, mas também<br />
* Mestre em Antropologia Cultural na Université Laval (Canadá) e doutorando na Université de Montréal (Canadá).<br />
Professor adjunto do curso de pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Visconde de Cairu. Endereço para correspondência: Fun<strong>da</strong>ção<br />
Visconde de Cairu, Rua do Salete, n. 50, Barris – 40070.200 Salvador-BA. E-mail: ericmaheu@gmx.fr<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 266-267, jan./jun., 2006