Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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com as ativi<strong>da</strong>des lúdicas, Giovanina Olivier<br />
(2003) assinala que “A especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> infância,<br />
que é justamente a possibili<strong>da</strong>de de vivenciar<br />
o lúdico, é ignora<strong>da</strong> em prol <strong>da</strong> disciplina,<br />
do esforço, <strong>da</strong> aquisição de responsabili<strong>da</strong>des e<br />
de outras funções.” (p. 19).<br />
A constatação de que a criança e as ativi<strong>da</strong>des<br />
lúdicas não são valoriza<strong>da</strong>s na escola e<br />
na socie<strong>da</strong>de se agrava, por que tais ativi<strong>da</strong>des<br />
são volta<strong>da</strong>s para as crianças <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares.<br />
Essa visão sobre a criança pobre e que<br />
reflete na sua vivência lúdica tem origem desde<br />
Froebel (apud KISCHIMOTO, 1998). Esse<br />
importante estudioso do brincar, que defendeu<br />
o brincar livre <strong>da</strong> criança, acreditava que as<br />
crianças pobres precisam de maior orientação,<br />
direção, controle e disciplina. (p. 30).<br />
Noto que existe uma crença em relação ao<br />
desejo (e ao merecimento) de brincar que diferencia<br />
as crianças mais pobres <strong>da</strong>s demais. As<br />
crianças <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares não teriam o<br />
“comportamento” necessário para brincar. Ain<strong>da</strong><br />
em relação à vivência <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des lúdicas,<br />
Tizuko Kischimoto (1993), na sua análise<br />
histórica dos jogos, acentua que “As imagens<br />
de criança elabora<strong>da</strong>s por diversos segmentos<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira são responsáveis pelas<br />
percepções coletivas que traduzem perfis distintos<br />
para a criança pobre e rica, favorecendo<br />
ou ca<strong>da</strong>strando o direito de brincar” (p. 96).<br />
Essa concepção é discuti<strong>da</strong> por Paulo Nunes<br />
Almei<strong>da</strong> (2000), quando verifica que<br />
Enquanto para uma classe social privilegia<strong>da</strong> o<br />
conhecimento fornecido pela escola se caracteriza<br />
muito mais pelo jogo (condições normais e<br />
naturais de aprender), à classe menos favoreci<strong>da</strong><br />
o trabalho-jogo torna-se tão distante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
que leva os alunos ao desprazer, ao penoso,<br />
conseqüentemente ao fracasso, ao abandono e<br />
à reprovação em massa. (p. 61)<br />
São posições discriminatórias que fazem com<br />
que as crianças <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares, mesmo<br />
sabendo que a escola é necessária, não sintam<br />
prazer em freqüentá-la, originando o<br />
sentimento de que ir à escola é algo imposto e<br />
chato. Concepções como essa inviabilizam a<br />
presença <strong>da</strong> ludici<strong>da</strong>de na escola, pois, para<br />
que os sujeitos do processo pe<strong>da</strong>gógico este-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 55-77, jan./jun., 2006<br />
Ilma Maria Fernandes Soares; Bernadete de Souza Porto<br />
jam envolvidos, é necessário que sejam respeitados,<br />
não somente como aprendizes, mas como<br />
seres humanos, que vivem em um contexto sociocultural<br />
específico. Conhecer as possibili<strong>da</strong>des<br />
e limites concretos <strong>da</strong>s crianças <strong>da</strong>s<br />
cama<strong>da</strong>s populares é contribuir para a sua formação<br />
como sujeitos humanos, que devem ser<br />
respeitados e educados <strong>da</strong> melhor maneira.<br />
A análise <strong>da</strong>s crenças <strong>da</strong>s professoras sobre<br />
as crianças <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares me permite<br />
constatar a força que essas convicções<br />
exercem sobre a prática pe<strong>da</strong>gógica dessas<br />
profissionais, inclusive dificultando a vivência<br />
<strong>da</strong> ludici<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des lúdicas. Nesse<br />
sentido, Miguel Arroyo (2000) assinala que:<br />
Sem mexer nos valores, crenças, auto-imagens,<br />
na cultura profissional, não mu<strong>da</strong>remos a cultura<br />
política excludente e seletiva tão arraiga<strong>da</strong> em<br />
nossa socie<strong>da</strong>de. É a moderni<strong>da</strong>de conservadora<br />
e o credencialismo democraticista que se contentam<br />
com a reciclagem dos mestres, a lubrificação<br />
<strong>da</strong> função seletiva e excludente, a<br />
relativização do direito à educação e à cultura.<br />
Se contentam com limpar as artérias entupi<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> escola, facilitando os fluxos escolares, respeitando<br />
os ritmos diversos. O democratismo<br />
conservador não vai mais longe. (p. 177).<br />
Mesmo não demonstrando uma boa aceitação<br />
ao interesse <strong>da</strong>s crianças pela brincadeira,<br />
as professoras também crêem que as crianças<br />
aprendem melhor brincando. Essa foi<br />
uma frase que apareceu durante a entrevista<br />
de to<strong>da</strong>s as professoras entrevista<strong>da</strong>s. No que<br />
se refere a Margari<strong>da</strong> e Teresinha, mesmo sabendo<br />
que, em nível de conhecimento teórico,<br />
ambas são as que menos mostraram embasamento<br />
sobre educação, essa afirmação sobre o<br />
processo de aprendizagem <strong>da</strong>s crianças é fruto<br />
de teorias, com as quais elas, em algum momento,<br />
tiveram contato. Ouso ain<strong>da</strong> grifar que,<br />
embora elas saibam que as crianças aprendem<br />
melhor brincando, tal constatação não interfere<br />
no fazer pe<strong>da</strong>gógico que elas realizam, pois não<br />
pautam o seu trabalho pela via <strong>da</strong> ludici<strong>da</strong>de.<br />
Tal constatação em relação à aprendizagem<br />
<strong>da</strong>s crianças faz surgir um dilema nas professoras,<br />
pois elas também percebem a sua deficiência<br />
em ensinar com base na prática de<br />
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