Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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Coração de professor: o (des)encanto do trabalho sob uma visão sócio-histórica e lúdica<br />
do professor, seu principal instrumento de<br />
trabalho e veículo de expressão afetiva, apresenta-se<br />
estasiado; 7 frente às adversi<strong>da</strong>des<br />
encontra<strong>da</strong>s na sua práxis. Esta exaustão ou<br />
estase docente pode contribuir, por sua vez,<br />
para um desânimo ou endurecimento afetivo<br />
perante a ativi<strong>da</strong>de, como podemos observar<br />
no depoimento <strong>da</strong> professora a seguir: “Como<br />
se tivesse me sugado tudo, sem ânimo. Tenho<br />
que me refazer energeticamente. Me<br />
envolvo demais e penso que preciso me controlar<br />
bastante”.<br />
Neste entorno, é necessário que a escola,<br />
como um “eixo de mu<strong>da</strong>nça em prol <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de<br />
de ensino”, conforme declaram os programas<br />
e gestores educacionais, se torne um<br />
espaço de democracia, criativi<strong>da</strong>de, promoção<br />
<strong>da</strong> saúde e acolhedora <strong>da</strong>s pessoas que a mantêm<br />
viva, especialmente dos docentes. Para<br />
tanto, tais pessoas precisam ser fortaleci<strong>da</strong>s no<br />
seu self (ego) e na sua imagem social, sendo<br />
percebi<strong>da</strong>s como gente que, como tal, conversam,<br />
trabalham, criam, festejam, criticam, cantam,<br />
brincam, entristecem, adoecem, entram em<br />
conflito, se encantam e desencantam. Isto parece,<br />
to<strong>da</strong>via, esquecido nas reformas dos currículos<br />
de formação docente e desenvolvimento<br />
escolar, como afirmam Arroyo (2000) e Santos<br />
(2004).<br />
A superação destes entraves começa pelo<br />
reconhecimento social do trabalho docente pela<br />
socie<strong>da</strong>de (especialmente os órgãos gestores e<br />
planejadores <strong>da</strong> educação) e pela organização<br />
política <strong>da</strong> categoria, implicando condições dignas<br />
de trabalho que permitam ao profissional<br />
potencializar seus conhecimentos e habili<strong>da</strong>des,<br />
e numa remuneração que permita ampliar seus<br />
conhecimentos e ter melhor quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.<br />
Acreditamos que a formação docente centra<strong>da</strong><br />
no aspecto lúdico do trabalho, necessário<br />
para alimentar o prazer e o afeto do professor<br />
com os elementos de sua práxis, possa também<br />
contribuir para o enfrentamento destes entraves.<br />
Será isso possível? Pode o trabalho docente<br />
trazer satisfação e alegria ao professor<br />
diante <strong>da</strong>s condições aqui debati<strong>da</strong>s?<br />
Para ilustrar nossas questões, destacamos<br />
um trecho <strong>da</strong> entrevista feita com a professora<br />
86<br />
Solange, que consideramos significativo para<br />
destacar a ambigüi<strong>da</strong>de presente na dimensão<br />
subjetiva do professor, tencionando levar o leitor<br />
a refletir sobre o próximo tema deste estudo:<br />
a relação de amor e ódio do professor com<br />
o seu trabalho e as estratégias de defesa que<br />
utiliza para enfrentar o mal-estar ou o próprio<br />
desencanto.<br />
Pesquisadora – Professora, como você percebe<br />
o trabalho docente?<br />
Profª A - Árduo, eu acho assim que é assim um<br />
desmatamento, (...) principalmente no momento<br />
em que a gente está vivendo, de que se precisa<br />
valorizar mais o profissional. E que a gente<br />
vê que não estão abertos para isso. É um desbravar<br />
mesmo, é você resistir aquele salário<br />
que você recebe no final do mês. Mas você, além<br />
de tudo, sabe que você está li<strong>da</strong>ndo com gente,<br />
que você precisa aju<strong>da</strong>r, por que você já conseguiu<br />
subir degraus, por que você pode aju<strong>da</strong>r<br />
essa pessoa também a alcançar mais êxito na<br />
vi<strong>da</strong>, ser mais feliz. Então, é muito amplo, é<br />
muito grande. É um constante assim. É de sofrimento,<br />
é de prazer, é uma mistura muito grande,<br />
é muito dura. Agora apesar de ser muito<br />
dura, eu me surpreendo de não ter ficado desencanta<strong>da</strong><br />
com ele.<br />
Assim, após discutirmos os fatores que podem<br />
levar os professores a desistirem, o segundo<br />
momento de análise foi saber por que,<br />
apesar <strong>da</strong>s pressões, discriminações e condições<br />
precárias de trabalho, estes professores<br />
persistem? Que trabalho é esse que causa tanta<br />
dor e tanto prazer?<br />
TRANSFORMANDO O TÉDIO EM<br />
MELODIA ...<br />
E ser artista no nosso convívio<br />
Pelo inferno e céu de todo dia<br />
Pra poesia que a gente não vive<br />
Transformar o tédio em melodia<br />
(Frejat/Cazuza)<br />
7 Na concepção reichiana, existe uma diferença entre êxtase,<br />
quando a energia é descarrega<strong>da</strong>, trazendo um estado de<br />
arrebatamento, encanto e absorção, e a estase quando a<br />
energia fica para<strong>da</strong>, impedi<strong>da</strong> de ser descarrega<strong>da</strong>.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 79-98, jan./jun., 2006