Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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ca<strong>da</strong> com o espetacular 5 O treinamento institucionalizado<br />
e mais formalizado tenta se <strong>da</strong>r<br />
nesta segun<strong>da</strong> vertente. E como o espetacular<br />
é um conceito relacional, no sentido de que são<br />
necessárias as presenças tanto <strong>da</strong>quele que faz<br />
como <strong>da</strong>quele que vê, o que, para um, é espetacular,<br />
para outro, pode não ser. Para o turista, a<br />
baiana de acarajé é espetacular; a forma de<br />
an<strong>da</strong>rmos na rua, de nos vestirmos e olharmos<br />
é inusita<strong>da</strong>, estranha e nova; espetacular, neste<br />
sentido. Para nós não, não percebemos na<strong>da</strong><br />
disso como espetacular. Talvez por isso não a<br />
valorizemos, apesar de ser tão original. Cegos<br />
de tanto vê-la.<br />
Entro aí numa questão que desemboca em<br />
duas outras muito importantes: a identi<strong>da</strong>de e<br />
sua formação, o treinamento e sua visibilização.<br />
Ou seja: tudo indica que somos lindos, espetaculares<br />
e imitados pelo mundo todo. E que<br />
usos fazemos de nós mesmos, em termos artísticos<br />
e espetaculares? O que ganhamos com<br />
isso? Creio que estes usos e criações dependem<br />
muito do quanto nos reconhecemos e do<br />
quanto utilizamos nosso próprio “material”, por<br />
assim dizer. Para isso, um treinamento é indispensável.<br />
Mas pode vir a ser também um veículo<br />
eficaz de alienação e inferiorização, como<br />
foi e ain<strong>da</strong> é o balé clássico para muitos bailarinos<br />
negros e pobres <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de do Salvador.<br />
Então, o treinamento em artes cênicas pode vir<br />
a ser um processo de espetacularização, de<br />
estranhamento, de reflexão viva e de libertação.<br />
Pode ser também um processo de subordinação<br />
inconsciente a estéticas e a modos de<br />
uso do corpo estrangeiro, sempre muito mais<br />
eficazes do que um diálogo racional que, quando<br />
não conseguidos, levam a uma sensação de<br />
incompetência muito forte. De forma que uma<br />
grade curricular, uma escolha de práticas, linhas<br />
e conteúdos pode ser – e vem sendo – uma<br />
maneira de reproduzir procedimentos e conteúdos<br />
subordinantes, especialmente na área de<br />
artes. Ao educador artista, ao educador preocupado<br />
com as artes, cabe pensar e intervir.<br />
Por isso, considero que a criação de um<br />
percurso de aprendizagem artística, especialmente<br />
se diz respeito às artes cênicas, nas quais<br />
incluo a música, o teatro, a orali<strong>da</strong>de e a <strong>da</strong>nça,<br />
Isa Trigo<br />
precisa ser pensado no contexto <strong>da</strong> cultura –<br />
ou <strong>da</strong>s culturas – nas quais ele nasce. Isso significa<br />
que existem aprendizados, temáticas,<br />
modos de compreensão, métodos e conteúdos<br />
que precisam ser articulados ao meio local e<br />
nele buscarem estratégias, e este meio tem que<br />
ser ré-significado. Em outras palavras, espetacularizado,<br />
valorizado no que tem de interessante.<br />
Por exemplo, se vão ser aprendidos os<br />
passos <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça de Iansã, que hoje são codificados<br />
e muito difundidos de determina<strong>da</strong> maneira,<br />
é interessante conhecer como nasceram<br />
nos corpos dos mais velhos, por exemplo, e, ao<br />
mesmo tempo, estu<strong>da</strong>r o entorno destes passos,<br />
suas implicações, suas mu<strong>da</strong>nças, ver onde<br />
eles reaparecem nas <strong>da</strong>nças modernas... Não<br />
ter preconceitos. Esta atitude pede um espaço<br />
físico inexistente na UNEB para o um fazer<br />
pe<strong>da</strong>gógico completamente diferente do que<br />
usualmente dispomos.<br />
Deveremos enfatizar trilhas de criação, e<br />
definir os objetivos de um percurso de aprendizagem<br />
a partir dessas vertentes. Percurso, mais<br />
que curso. Por isso, tenho hoje uma cautela que<br />
não tinha anteriormente. Estou convenci<strong>da</strong> de<br />
que a criação de uma graduação, pura e simplesmente,<br />
não adianta. Não sei se seria uma<br />
graduação, ou se seriam ativi<strong>da</strong>des, inicialmente<br />
no bairro do Cabula, de extensão, de criação<br />
de laços com as comuni<strong>da</strong>des. Minha atitude<br />
hoje é escutar o mundo me dizer, de uma certa<br />
forma. Criar o espaço propício e começar a<br />
articular pessoas, grupos, trabalhos. Ver como<br />
esses movimentos se desenham. Congregar<br />
pessoas que queiram pensar um percurso a<br />
partir do que temos de nosso. E, ao mesmo tempo,<br />
não incorrer no erro de desprezar o que foi<br />
criado pela cultura alheia. Enfim, este é o momento<br />
que vejo agora. De prospecção. De reflexão<br />
e de contatos. Reconhecendo e limpando<br />
o terreno.<br />
O outro aspecto importante, a partir do receber<br />
de todos os lados sem sentir é uma<br />
questão que os mestres <strong>da</strong> tradição alegam.<br />
5 Espetacular no sentido de sair de si, observar-se, criar sua<br />
cena, estranhar-se, preparar e ampliar o que o outro vai<br />
ver, pensar-se. Seja na ativi<strong>da</strong>de cientifica, seja na cênica.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 201-207, jan./jun., 2006 205