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Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb

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Eclipse do Lúdico<br />

Quero aqui chamar a atenção para o fato<br />

de que quanto mais o professor (a) se encontra<br />

colado ao livro didático, menos criativas e lúdicas<br />

são suas ativi<strong>da</strong>des.<br />

Dos resultados encontrados na pesquisa realiza<strong>da</strong><br />

no ano de 2001 sobre a mediação docente<br />

em face do uso do livro didático, pudemos<br />

constatar, como padrão de conduta predominante<br />

(72,5%): a mediação didática do tipo mecânico<br />

com uso do manual didático escolar<br />

conduzi<strong>da</strong> pelas docentes. A desconfiança inicial<br />

se esclarecia aqui como resposta ao eclipse<br />

a que chamamos atenção neste artigo. Do<br />

total de 40 aulas observa<strong>da</strong>s, apenas 28%, representaram<br />

sinais de práticas mais criativas.<br />

Do que se pode depreender que 20% <strong>da</strong>s professoras<br />

conseguem desenvolver ativi<strong>da</strong>des<br />

criativas e lúdicas, sem uso do manual escolar.<br />

Mas 78% representam a prisão ao manual. E,<br />

por assim dizer, per<strong>da</strong> <strong>da</strong> autoria no trabalho<br />

pe<strong>da</strong>gógico e, por que não dizer, per<strong>da</strong> do gosto<br />

do ensinar e do aprender.<br />

O esquecimento <strong>da</strong> ludici<strong>da</strong>de no trabalho<br />

pe<strong>da</strong>gógico pode ser vislumbrado a partir <strong>da</strong>s<br />

falas de professoras sobre práticas muito liga<strong>da</strong>s<br />

ao que reza o manual escolar. Diria<br />

que o potencial pe<strong>da</strong>gógico e o potencial intelectual,<br />

psíquico e sócio-cultural <strong>da</strong>s crianças<br />

são muito desperdiçados em ativi<strong>da</strong>des<br />

que reproduzem um ensino pautado em cartilhas.<br />

As poucas ativi<strong>da</strong>des lúdicas que observei<br />

não tinham relação com o manual.<br />

Vejamos alguns exemplos.<br />

Numa determina<strong>da</strong> aula observa<strong>da</strong> por mim,<br />

a professora <strong>da</strong> 2ª série desenvolve uma ativi<strong>da</strong>de<br />

extremamente instigante e não presente, como<br />

sugestão, no manual didático de sua classe. Trata-se<br />

<strong>da</strong> reciclagem de papel, ativi<strong>da</strong>de que ela<br />

desenvolve a partir de uma receita de papier<br />

maché. A ativi<strong>da</strong>de de recriação do lixo e sua<br />

transformação em produto utilizável (o papel),<br />

além de lúdica, tornaram possíveis as intercessões<br />

com outros objetos de conhecimento (ciências<br />

e artes, sobretudo). Abaixo a sua mediação:<br />

— O que é reciclagem? (Pergunta a professora<br />

à sua turma)<br />

— O lixo que vai para o lixo.<br />

— E o que é isso aqui dentro? (mostra a mis-<br />

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tura que faz com restos de papel jornal e água).<br />

— Reformar o lixo.<br />

— Jornal. (diz outro aluno).<br />

— Ah, pensei que fosse siri catado... (diz<br />

sorrindo). Vocês estão fazendo uma experiência,<br />

é? Me chamem depois...<br />

A professora passa a fazer outra ativi<strong>da</strong>de<br />

Organiza palavras por ordem alfabética: amendoim,<br />

bolo, canjica, laranja.<br />

— A laranja deve ficar de fora, pró. (Diz o<br />

aluno achando que o “L” depois do “C” não é<br />

possível).<br />

— Posso beber água? (essa é uma questão<br />

recorrente na sala; significa a justificativa para<br />

fugir <strong>da</strong> sala).<br />

— Amanhã tem aula, pró? (é sábado)<br />

— Não!<br />

— Ah, mas tem que ter!<br />

Exclama uma criança totalmente enleva<strong>da</strong><br />

com a ativi<strong>da</strong>de desenvolvi<strong>da</strong>. A professora começa<br />

a mexer a mistura de papier maché, sozinha;<br />

os alunos ficam em sua volta observando a<br />

magia que irá fazer... Já é hora do recreio. Do<br />

lado de fora, o que se ouve são os gritos <strong>da</strong>s<br />

crianças que saem para o recreio. Mas, aqui na<br />

sala, os alunos permanecem atentos ao processo<br />

de reciclagem... A professora deixa a mistura<br />

de papel descansando e vem conversar<br />

comigo; informo-me que trabalharão hoje com o<br />

ALP (símbolos); pergunto sobre suas férias, responde-me<br />

falando do seu não descanso, de sua<br />

falta de repouso e revolta contra com o governo.<br />

Perguntei sobre o uso do livro: em duas semanas<br />

de trabalho, só não usou o livro por dois dias.<br />

Chama os alunos e começa a passar o papel no<br />

liquidificador. Todos estão alegres e em volta<br />

dela. Ela também está alegre. Canta “Eu vou,<br />

eu vou...”, eles cantam com ela... olha a receita:<br />

“3 colheres de cola”...<br />

⎯ Vamos ver gente? (conta junto com eles...!)<br />

⎯ Tomara que dê certo!<br />

⎯ Dê certo! Dê certo!! (todos repetem)<br />

⎯ Pró, a gente vai chorar, viu pró?<br />

A emoção deles é tão grande, que um aluno<br />

chega a dizer que vai chorar. Finalmente liga o<br />

liquidificador. Todos correm para ver a mistura.<br />

Todos olham. A cola não dissolveu. Eu não<br />

posso perder um só instante dessa interação...<br />

<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 15-25, jan./jun., 2006

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