Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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famílias, às vezes é muita sobrecarga pra gente<br />
administrar as questões <strong>da</strong>s crianças pequenas<br />
que, na ver<strong>da</strong>de, deveriam ser administra<strong>da</strong>m<br />
junto com a família. Aí eu sinto que a gente<br />
se esvazia bastante com isso. E a gente precisa<br />
trocar um pouco com os colegas porque cria<br />
um vazio, um sentimento de incompetência, às<br />
vezes até não ter a certeza do que está fazendo,<br />
se está bom ou não. Aí a gente ain<strong>da</strong> troca com<br />
os colegas.<br />
Em relação ao vínculo afetivo que Mariazinha<br />
declara ser um dos motivos do esvaziamento<br />
<strong>da</strong> relação com a profissão docente, Wanderley<br />
Codo e Andréa Gazzotti (1999) declaram<br />
que a concretização <strong>da</strong> ligação afetiva estabeleci<strong>da</strong><br />
entre educando/a e educador/a ocorre<br />
parcialmente, pois as crianças não permanecem<br />
o tempo inteiro na escola; além do mais, as tarefas<br />
escolares requerem a obediência a algumas<br />
regras (p. 57).<br />
Essa constatação de esvaziamento relativa<br />
à escola também ocorre para os professores,<br />
porque esse espaço é visto como o lugar do<br />
dever, <strong>da</strong> obrigação, sendo as alegrias desloca<strong>da</strong>s<br />
para outros ambientes. Esse sentimento de<br />
tristeza, de desesperança, de estrangulamento<br />
que acomete as professoras e os professores é<br />
resultado <strong>da</strong> fragmentação do seu trabalho, do<br />
sentimento de alienação ocasionado pela supervalorização<br />
do conteúdo, <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de técnica<br />
do seu trabalho que os transforma em<br />
simples executores, contribuindo para a elaboração<br />
de um conhecimento utilitário e funcional,<br />
ocasionando, ain<strong>da</strong>, essa falta de prazer e<br />
de reconhecimento no trabalho que executa.<br />
Quanto a esse sentimento de desprazer em<br />
relação aos alunos, constato que, mesmo sabendo<br />
que na <strong>Educação</strong> Infantil as crianças não<br />
vivenciam adequa<strong>da</strong>mente ativi<strong>da</strong>des prazerosas,<br />
é ao ingressar no Ensino Fun<strong>da</strong>mental que<br />
elas são mais requeri<strong>da</strong>s a priorizar o racional e<br />
a serem introduzi<strong>da</strong>s nas noções de disciplina,<br />
obrigação, responsabili<strong>da</strong>de, exercícios. Sobre<br />
isso Nelson Carvalho Marcellino (2003) nos<br />
afirma que<br />
Antes, havia a possibili<strong>da</strong>de de vivências prazerosas,<br />
sem compromissos, e o tempo mágico <strong>da</strong>s<br />
brincadeiras estava ao alcance <strong>da</strong>s nossas mãos;<br />
agora, a obrigação sistematiza<strong>da</strong> introduzia o<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 55-77, jan./jun., 2006<br />
Ilma Maria Fernandes Soares; Bernadete de Souza Porto<br />
tempo do relógio e o “dever de casa” invadia o<br />
reino encantado, o reino do lúdico. Parodiando<br />
Althusser, podemos dizer que a infância é hoje o<br />
período <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em que se fica entalado entre a<br />
obrigação e o prazer, entre o reino <strong>da</strong> escola e o<br />
reino do lúdico. E a nossa conformação social<br />
tende a nos empurrar ca<strong>da</strong> vez mais para dentro<br />
desse reino escola, onde imperam os valores <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de neoliberal: racionali<strong>da</strong>de, produtivi<strong>da</strong>de,<br />
eficiência, eficácia, competitivi<strong>da</strong>de, sucesso<br />
financeiro. (p. 18).<br />
Desta maneira, entendo que a ca<strong>da</strong> nível que<br />
a criança evolui dentro <strong>da</strong> escola, a idéia de<br />
obrigação vai se tornando mais complexa e a<br />
possibili<strong>da</strong>de de vivências lúdicas vai ficando<br />
mais escassa. A escola, com esse posicionamento,<br />
contribui para que, ca<strong>da</strong> vez mais cedo,<br />
as crianças neguem a sua infância e sejam incorpora<strong>da</strong>s<br />
ao mundo adulto.<br />
Diante <strong>da</strong> convicção de que a escola é sufocante,<br />
outra crença se apresenta: a que entende<br />
que a profissão de professor é muito<br />
exigente. Alguns motivos que sedimentaram<br />
essa crença foram apontados durante a pesquisa,<br />
em especial, durante a entrevista: a baixa<br />
remuneração; a característica de “monodocência”<br />
do/<strong>da</strong> professor/a <strong>da</strong>s séries iniciais, que<br />
exige que ele/ela tenha domínio <strong>da</strong>s diferentes<br />
áreas etc. Apesar dessa exigência e de outras<br />
dificul<strong>da</strong>des enumera<strong>da</strong>s pelas professoras,<br />
entretanto, elas também apresentaram aspectos<br />
positivos referentes à profissão docente.<br />
Diante <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s para a realização<br />
do trabalho pe<strong>da</strong>gógico, to<strong>da</strong>s as professoras<br />
apresentaram essa crença.<br />
Compreendo que não é somente o fato de<br />
ter que trabalhar com diferentes áreas que sobrecarrega<br />
o/a professor/a <strong>da</strong>s séries iniciais,<br />
mas também a sua posição diante do seu fazer<br />
pe<strong>da</strong>gógico. Nesse sentido, cabe a citação de<br />
Janet Moyles (2002), quando expressa que:<br />
Se o papel é visto como o de instrutor, os professores<br />
precisam “instruir” ou ensinar alguma coisa<br />
diretamente para todos, todos os dias – uma<br />
tarefa muito difícil. Mas se o papel do professor<br />
é o de iniciador e mediador <strong>da</strong> aprendizagem, e o<br />
de provedor <strong>da</strong> estrutura dentro <strong>da</strong> qual as crianças<br />
podem explorar, brincar, planejar e assumir<br />
a responsabili<strong>da</strong>de, esta abor<strong>da</strong>gem certa-<br />
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