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Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb

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dos os tipos (políticos, comerciais, artísticos...)<br />

ou somente a classe de discurso que parece adequa<strong>da</strong><br />

à pesquisa? Um exemplo <strong>da</strong> ambigüi<strong>da</strong>de<br />

do discurso figura na indústria do axé music,<br />

nas letras e na promoção. Misturam-se retóricas<br />

de amor e progresso, que sugerem integração<br />

racial harmoniosa. Escamoteiam-se mil contradições<br />

subjacentes. O sujeito lírico é negro, mas<br />

os cantores são desproporcionalmente brancos.<br />

Ao mesmo tempo, celebram-se a miscigenação e<br />

o afro-centrismo. Isto nas palavras. E nos “fatos”?<br />

(ARMSTRONG, 2001, p.77)<br />

As contradições são muitas, nos discursos<br />

artísticos e estéticos em si e principalmente nos<br />

discursos <strong>da</strong>queles que falam e comentam sobre<br />

os fatos culturais e se apropriam deles para<br />

construir seu próprio discurso político. E quanto<br />

ao discurso pe<strong>da</strong>gógico? As dificul<strong>da</strong>des nas<br />

práticas e teorias pe<strong>da</strong>gógicas já são imensas,<br />

pensando somente nos muitos conteúdos que<br />

vem do legado europeu e <strong>da</strong>s constantes inovações<br />

no cenário internacional que contrastam<br />

com o cotidiano de professores e alunos na<br />

Bahia o qual envolve o desafio permanente dos<br />

problemas existenciais (pobreza material, violência,<br />

alienação nas mídias de massa, políticas<br />

de aparências, imediatismo e resultados em<br />

curto prazo, falta de mobili<strong>da</strong>de e poder aquisitivo),<br />

adversários de processos educativos demorados,<br />

pacíficos e contínuos. Nossas<br />

preocupações diárias são marca<strong>da</strong>s pela carência<br />

de todo tipo de material (em quali<strong>da</strong>de e<br />

quanti<strong>da</strong>de) didático e do acesso à tecnologia e<br />

a saberes diferenciados que podem estar ao<br />

nosso redor, no entanto despercebidos e excluídos<br />

dos nossos códigos e <strong>da</strong> nossa visão pe<strong>da</strong>gógica.<br />

A reali<strong>da</strong>de é que poucos professores brasileiros<br />

têm se aproximado <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de cultural<br />

do seu país – são poucos os educadores<br />

na Bahia p.ex. que trabalham com as manifestações<br />

tradicionais e populares desta macroregião<br />

e suas micro-regiões e muito menos ain<strong>da</strong><br />

com tradições e práticas culturais de outros<br />

estados brasileiros. A imagem do “Outro” (negro,<br />

índio, sertanejo, subalterno...) ain<strong>da</strong> domina<br />

no imaginário de muitos, que não percebem<br />

que são eles, os “Outros” – que são eles que<br />

estão construindo ou desconstruindo as identi-<br />

Katharina Döring<br />

<strong>da</strong>des culturais regionais. O que falta muitas<br />

vezes para criar práticas e teorias pe<strong>da</strong>gógicas<br />

mais consistentes e convincentes é a dimensão<br />

do reconhecimento do qual Canclini fala em<br />

segui<strong>da</strong>. O discurso do “Outro”, artificial- e historicamente<br />

construído, também está presente<br />

no aproveitamento do folclore e em todos os<br />

discursos que querem separar, segmentar e classificar<br />

as representações culturais e expressões<br />

artísticas dos povos e dos indivíduos em escalas<br />

valorativas.<br />

À medi<strong>da</strong> que o especialista em estudos culturais<br />

queira realizar um trabalho cientificamente consistente,<br />

seu objetivo final não é representar a<br />

voz dos silenciados, mas entender e nomear os<br />

lugares em que suas questões ou sua vi<strong>da</strong> cotidiana<br />

entram em conflito com os outros. As categorias<br />

de contradição e conflito estão, portanto, no<br />

núcleo desta maneira de conceber os estudos<br />

culturais. Porém não para ver o mundo a partir de<br />

um só lugar de contradição, mas para compreender<br />

sua estrutura atual e sua possível dinâmica.<br />

As utopias de mu<strong>da</strong>nça e justiça, neste sentido,<br />

podem articular-se com o projeto dos estudos<br />

culturais, não como prescrição do modo como<br />

devem selecionar-se e organizar-se os <strong>da</strong>dos, mas<br />

como estímulo para in<strong>da</strong>gar sob que condições<br />

(reais) o real pode deixar de ser a repetição <strong>da</strong><br />

desigual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> discriminação, para converterse<br />

em palco de reconhecimento dos outros. Retomo<br />

aqui uma proposta de Paul Ricoeur quando,<br />

em sua crítica ao multiculturalismo norte-americano,<br />

sugere mu<strong>da</strong>r a ênfase sobre a identi<strong>da</strong>de para<br />

uma política de reconhecimento. Na noção de<br />

identi<strong>da</strong>de há apenas a idéia do mesmo, enquanto<br />

reconhecimento é um conceito que integra diretamente<br />

a alteri<strong>da</strong>de, que permite uma dialética<br />

do mesmo e do outro. A reivindicação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<br />

tem sempre algo de violento a respeito do<br />

outro. Ao contrário, a busca do reconhecimento<br />

implica a reciproci<strong>da</strong>de.” (CANCLINI, 1999, p. 28<br />

- grifos meus)<br />

A idéia do reconhecimento é fascinante<br />

como uma moção inclusiva que possibilita enxergar<br />

as semelhanças e diferenças que temos<br />

com outros sem discriminação, enquanto a questão<br />

<strong>da</strong> afirmação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de (cultural, étnica,<br />

racial, social) sempre remete à idéia de<br />

separação, fronteira, demarcação defini<strong>da</strong>, o<br />

que muitas vezes limita mais as pessoas na sua<br />

definição e atuação em vez de libertá-las.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 173-184, jan./jun., 2006 175

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