Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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Espaço onde a arte experimenta<strong>da</strong> potencializa<br />
a condição de sujeito que consegue expressar,<br />
falar de si, de suas fraquezas, sonhos,<br />
resistências, desejos, necessi<strong>da</strong>des e vontades,<br />
e também do mundo. As expressões artísticas<br />
cria<strong>da</strong>s nesta Rede serviram para que seus participantes<br />
interpretassem a si e ao mundo, primando<br />
por relações dialógicas entre os grupos,<br />
pessoas e instituições de culturas 4 díspares,<br />
numa atitude que se quis intercultural. Esta interculturali<strong>da</strong>de,<br />
na medi<strong>da</strong> em que possibilitou<br />
a relação dialógica entre sujeitos e culturas distintas,<br />
promoveu, em certa medi<strong>da</strong>, a ruptura<br />
com orientações monorreferenciais de produzir<br />
conhecimento. De acordo com Fleuri (2004),<br />
nesta relação intercultural é preciso:<br />
Superar o modo de entender o mundo por oposições<br />
(ou/ou) e elaborar um modo de compreender<br />
as relações por conexões (e/e) (...); em lugar de se<br />
entender educação como a busca de conformar o<br />
pensamento e o comportamento <strong>da</strong>s pessoas a<br />
padrões culturais pré-definidos e homogêneos,<br />
entende-se que as pessoas se educam e se humanizam<br />
construindo processos identitários entre<br />
suas diferenças. (FLEURI, 2004, p. 17)<br />
A pesquisa, desenvolvi<strong>da</strong> por Fernandes<br />
(2005), sobre a rede MIAC, “Sociabili<strong>da</strong>de,<br />
comunicação e política: a Rede MIAC como<br />
provocadora de potenciali<strong>da</strong>des estético-comunicativas<br />
na ci<strong>da</strong>de de Salvador”, defende a tese<br />
de que o ci<strong>da</strong>dão MIAC exercita a sua potenciali<strong>da</strong>de<br />
estético-comunicativa através do<br />
diálogo intercultural.<br />
Na construção desse conceito, a autora recorre<br />
à idéia de complementari<strong>da</strong>de, de origem<br />
nagô, descrito pelo historiador Marco<br />
Aurélio Luz. Conforme o autor, “uma <strong>da</strong>s principais<br />
características <strong>da</strong> visão de mundo nagô<br />
é de que os poderes e princípios que regem o<br />
universo são complementares.” (LUZ, 2000, p.<br />
35 apud FERNANDES, 2005, p. 147). Desta<br />
forma, para Fernandes:<br />
A idéia de complementari<strong>da</strong>de apresenta-se também<br />
na ação desses jovens, que compreenderam<br />
que deman<strong>da</strong>r políticas públicas não significa<br />
apenas reivindicar ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia por intermédio de<br />
instituições partidárias; esse é apenas um dos<br />
caminhos. É preciso tecer junto, e para que a trama<br />
societal cresça é necessário comunicar, com<br />
Izabel Dantas de Menezes<br />
uso <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> educação, as diversi<strong>da</strong>des culturais<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. (FERNANDES, 2005, p. 187)<br />
A arte consegue retirar <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de imediata<br />
seu objeto e pensar num mundo possível. Como<br />
diz Espinheira, é um tapete mágico, <strong>da</strong>í a sua complexi<strong>da</strong>de<br />
e grandeza. É este “tapete mágico” que<br />
coloca a pertinência de um devir para educadores<br />
e educadoras, na medi<strong>da</strong> em que oportuniza a<br />
expressão de culturas e identi<strong>da</strong>des, bem como<br />
de direitos. O “tecer junto”, no cotidiano <strong>da</strong> rede<br />
MIAC, é forjado pelo desejo de participação<br />
ci<strong>da</strong>dã e pelo diálogo intercultural entre sentidos,<br />
sentimentos e culturas díspares.<br />
3. A potenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> arte na formação<br />
dos educadores do MIAC<br />
O MIAC traz inspiração<br />
No verso, no olhar, na canção<br />
Esse monte de jovens<br />
Exercitando a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />
É momento de aprendizado<br />
Quando estamos juntos<br />
Tudo é emoção. Se transforma<br />
Num imensurável planeta<br />
Que chamamos<br />
ARTE-EDUCAÇÃO 5<br />
4 Assim como Fernandes (2005), entende-se que “cultura<br />
não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia<br />
de civilização, em que uma socie<strong>da</strong>de é mais civiliza<strong>da</strong> que a<br />
outra e que por isto é mais “avança<strong>da</strong>”. Ou ain<strong>da</strong> que “ter<br />
cultura” significa ter acesso a bons estudos, à educação, a<br />
conhecimentos diversificados, ou ser um intelectual que<br />
“sabe pensar o mundo”, mas sim a maneira de viver total de<br />
um grupo, socie<strong>da</strong>de, país ou pessoa. Cultura é um mapa, um<br />
código pelo qual podemos entender como as pessoas de um<br />
<strong>da</strong>do grupo pensam, vivem, se organizam, se vestem, festejam,<br />
trabalham, comem, estu<strong>da</strong>m e modificam o mundo e a<br />
si mesmas. Cotidianamente estamos reencontrando-nos e<br />
reafirmando-nos culturalmente com o outro e, através dele,<br />
formando e construindo códigos comuns. E é justamente<br />
esse comum entre o eu e o outro o que nos une, o que nos<br />
aproxima aos interesses múltiplos (racionais, emocionais,<br />
objetivos, subjetivos), o que dá sentido à existência social, é<br />
o que podemos denominar de cultura. Entendemos, então,<br />
por cultura o conjunto <strong>da</strong>s práticas e relações sociais e simbólicas<br />
de uma determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Entendendo que ela é<br />
dinâmica, híbri<strong>da</strong>, flui<strong>da</strong>, o que significa que não existem<br />
culturas “puras”, intoca<strong>da</strong>s e isola<strong>da</strong>s. E que também não<br />
existe uma cultura melhor do que a outra, mas sim uma<br />
cultura diferente <strong>da</strong> outra.” (FERNANDES, 2005, p. 185)<br />
5 Jovens <strong>da</strong> Escola Estadual Azevedo Fernandes – Relatório<br />
MIAC, 1999.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 185-200, jan./jun., 2006 189