O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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ela, agora, sentada, de olhos abertos, a<br />
fitá-la...<br />
Devagar, reaproximou-se e percebeu<br />
que a cada passo que a levava à mãe, esta<br />
voltava à posição de morta em seu caixão<br />
florido.<br />
Viu-se, então, a viver uma cena estranha:<br />
se saía, a mãe vivia e, se voltava,<br />
ela morria... até que, enfim, num gesto<br />
final, decididamente, abriu a porta e<br />
partiu.<br />
Voltemos, mais uma vez, ao fragmento<br />
do texto de Chatelard que escolhemos<br />
para dar início a este trabalho. Vejamos:<br />
“em alguns momentos, quase fugazes, de<br />
uma psicanálise, o sujeito percebe o seu<br />
ser de gozo pois se confronta com o que<br />
ele fora como objeto para o Outro”. Em<br />
termos dos tempos lógicos, trazidos por<br />
Lacan ao longo de seu ensino,<br />
encontramos aí, um instante de ver, que<br />
remete o sujeito à pergunta – o que sou?<br />
É um instante de encontro do real, que<br />
dará início a um tempo para<br />
compreender que aponta para o futuro,<br />
para o momento de concluir, graças ao<br />
trabalho da transferência.<br />
Retornando ao sonho acima citado,<br />
uma pergunta se nos apresenta: será que<br />
podemos dizer que há, aí, neste início de<br />
uma análise, um vislumbre do final, uma<br />
antecipação do futuro?<br />
No seu texto Escritores criativos e<br />
devaneios, ao se referir á atividade de<br />
fantasiar do ser humano, Freud vai nos<br />
dizer que os produtos desta atividade,<br />
(que se pode encontrar nos sonhos e nos<br />
devaneios), não são, de modo algum,<br />
produtos rígidos e imutáveis. Para Freud,<br />
muito ao contrário, estes produtos se<br />
adaptam às impressões mutantes da vida,<br />
transformam-se com as circunstâncias da<br />
existência do sujeito e recebem de cada<br />
nova impressão eficiente o que se<br />
poderia chamar o “ selo do momento”.<br />
Neste texto, Freud vai se referir à<br />
importância do tempo na sua relação<br />
com a fantasia. Ele nos diz que a fantasia<br />
flutua entre três tempos: os três fatores<br />
temporais de nossa atividade<br />
representativa. O trabalho anímico se<br />
enlaça a uma impressão atual, a uma<br />
ocasião do presente, susceptível de<br />
despertar um dos grandes desejos do<br />
sujeito; a partir deste ponto, apreende,<br />
regressivamente, a lembrança de um<br />
acontecimento pretérito e cria, então,<br />
uma situação referida ao futuro, que o<br />
sonho ou a fantasia apresentam como<br />
satisfação do dito desejo, trazendo, então,<br />
em si, as marcas de sua procedência da<br />
ocasião e da lembrança.<br />
Partindo daí, Freud afirma: É assim,<br />
portanto, que o pretérito, o presente e o<br />
futuro aparecem entrelaçados no fio do<br />
desejo, que passa através deles” .<br />
No texto – A temporalidade da<br />
transferência –, Sílvia Migdalek, em dado<br />
momento, nos diz que “se um trabalho,<br />
como o é o do sonho, serve a Freud<br />
como porta de entrada para a delimitação<br />
da experiência do inconsciente, não<br />
deveríamos descuidar do que há nisto de<br />
referência a um trabalho” . Para esta<br />
autora, é “a força pulsional dos desejos<br />
inconscientes que coloca a energia<br />
necessária para que esse trabalho se<br />
realize e, mais precisamente, é seu caráter<br />
de imortais e indestrutíveis, o que nos<br />
introduz em uma estranha dimensão<br />
temporal, já que, como desejo tem uma<br />
determinação que provém do futuro, no<br />
que se põe como testemunha do que<br />
haverá de ser, só pelo fato de tê-lo dito”.<br />
Em A interpretação dos sonhos, Freud nos<br />
diz que “na medida em que o sonho nos<br />
apresenta um desejo como cumprido,<br />
nos transporta, indubitavelmente ao<br />
futuro, mas este futuro, que ao sonhador<br />
lhe parece presente, é criado à imagem e<br />
semelhança daquele passado pelo desejo<br />
indestrutível." .<br />
A teoria psicanalítica, desde os primórdios<br />
da sua construção, ao trazer a<br />
questão do tempo, nos situa face a<br />
questões particularmente difíceis. Sabemos<br />
que Freud qualifica os processos<br />
inconscientes como intemporais e o<br />
desejo como indestrutível. No entanto,<br />
ainda que o presente seja impossível de<br />
apreender, este desejo indestrutível que,<br />
em sendo inconsciente, desconhece o<br />
tempo, pode aparecer no presente, na<br />
experiência da análise, graças à<br />
transferência. É o que o próprio Freud<br />
nos ensina.<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 105