O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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Repetir, rememorar e decidir: a análise entre o<br />
instante da fantasia e o momento do ato<br />
título do meu trabalho<br />
é, evidentemente,<br />
O<br />
uma homenagem ao<br />
texto de Freud de<br />
1914 “Rememorar,<br />
repetir e elaborar”,<br />
mas inclui o conceito<br />
de decisão, introduzido por Lacan precocemente<br />
com a expressão “a insondável<br />
decisão do ser” 27 , e que apresenta inúmeros<br />
desdobramentos clínicos e éticos<br />
ao longo de seu ensino. Tentarei desenvolver,<br />
então, este tema, através de três<br />
breves recortes.<br />
1. Repetição: O instante da fantasia:<br />
Se eu fosse, quando eu fizer, se tivesse pensado,<br />
eu não queria... O sujeito neurótico vive<br />
suspenso num tempo que projeta sobre o<br />
futuro toda a promessa de um presente<br />
que “teria sido”, se não fosse a maldição<br />
que determina o álibi para a eterna<br />
suspensão do ato. Congelado no instante<br />
da fantasia – cena na qual esboçou sua<br />
versão de uma relação sexual possível –<br />
o neurótico almeja o impossível: parar o<br />
tempo que, introduzindo contingência<br />
na série necessária, desmascara a<br />
precariedade e a instabilidade de sua<br />
montagem.<br />
O sujeito, tentando tapear o fracasso<br />
real de tal empreitada, alia-se a Cronos,<br />
pagando o preço de por ele se deixar<br />
devorar, em troca da ilusão de uma<br />
contabilidade que, se não para o tempo,<br />
ao menos o domestica. Há mesmo<br />
aqueles que dedicam a vida à tarefa de<br />
domesticá-lo. “Na medida em que Júpiter<br />
é perfeitamente capaz de castrar Cronos<br />
– diz Lacan –, nossos pequenos Júpiteres<br />
temem que o próprio Cronos comece<br />
fazendo o trabalho” (Lacan, 1999<br />
[1957/58]): Alguns são atrasados e procrastinadores,<br />
já que é sempre possível<br />
adiar ainda um pouco a decisão, à espera<br />
27<br />
Esta expressão é introduzida por Lacan no<br />
texto de 1946 “Formulações sobre a causalidade<br />
psíquica”.<br />
Ana Laura Prates Pacheco<br />
de mais tempo para pensar. Tempo é o<br />
que lhes falta – presumem – para livrálos<br />
da dúvida e da dívida com seu amo<br />
implacável. Em contrapartida, há aqueles<br />
– ou mais freqüentemente aquelas – que<br />
antecipam uma encenação qualquer, tentando<br />
furtar-se da passagem inexorável<br />
com uma espécie de “eu faço a hora”,<br />
num escape calculado do encontro inevitável<br />
com a hora marcada. Há também<br />
os que fogem de Cronos como o diabo<br />
foge da cruz, prevendo que o relógio não<br />
os livrará da mordida. Aceleração e/ou<br />
atraso, encontram-se na torção que cria a<br />
face única da banda de Moebius (ilustrada<br />
no cartaz de nosso Encontro), onde o<br />
sujeito – como uma formiga operária –<br />
corre contra o tempo. A diacronia que<br />
move a cadeia significante é, assim, um<br />
eterno “vir a ser” que movimenta o<br />
sujeito, projetando-o num futuro incerto,<br />
mas consistente – já que no final, estava<br />
escrito na profecia da fantasia o que ele<br />
iria encontrar: “essa cadeia infinita de significações<br />
a que se chama destino. Podemos<br />
escapar dela indefinidamente, mas<br />
o que se trataria de encontrar é<br />
justamente o começo – como é que o<br />
sujeito entrou nessa história de significante?”<br />
– para usar as palavras de Lacan<br />
no Seminário “A Angústia” (Lacan, 2005<br />
[1962/63], p. 78).<br />
Como dizia uma analisante: Não sei o<br />
que me espera. Não sabe, mas tem a certeza<br />
de que, seja lá o que for, “isso” estaria lá,<br />
pronto, esperando, em algum lugar no<br />
futuro. Wo es war, soll ich werden – como<br />
nos ensinou Freud – “lá onde isso estava,<br />
o eu deverá advir”. Cabe ao sujeito<br />
continuar caminhando na estrada da vida<br />
(a banda), até – como dizia outro<br />
analisante – chegar lá! Eis a suposição<br />
inconsciente que o sustenta em sua<br />
alienação neurótica: a da existência do<br />
Outro que sabe, porque está “lá”, no<br />
futuro. O sujeito, assim, “só se anuncia<br />
que terá sido no futuro anterior” – como<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 25