O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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estrutura, uma vez que o significante não<br />
consegue recobrir todo o gozo, sendo<br />
necessário que quem encarna essa função<br />
venha a falhar a fim de significar para o<br />
sujeito esse desejo procedente do Outro.<br />
É nessa falha da função paterna que<br />
Teresa entra com seu sintoma de<br />
incontinência urinária e fecal.<br />
Para a Psicanálise o sintoma é uma metáfora<br />
da estrutura edipiana, pois efetiva a<br />
articulação da lei com o desejo. O sintoma<br />
é a forma como o sujeito responde à<br />
falha da função paterna, ele tem a função<br />
estruturante de desalojar o sujeito da posição<br />
de angústia diante da demanda do<br />
Outro. Teresa institui, com o real de seu<br />
sintoma, algo que vem em socorro da<br />
metáfora paterna.<br />
Numa sessão Teresa conta que viu na<br />
televisão um animal do futuro. Ele é uma<br />
mistura de foca com pinguim e para se<br />
defender, ele vomita uma “gosma nojenta,<br />
uma porcaria”. A analista pergunta:<br />
“Defender de que?”<br />
“De quem quer comer ele” – responde.<br />
Nessa época, faz sempre comentários do<br />
tipo: “Se eu não passar na prova minha<br />
mãe vai comer meu fígado”.<br />
Também faz muitos comentários sobre<br />
as bijuterias da analista, quer saber se são<br />
jóias verdadeiras ou falsas, assim como os<br />
outros objetos da sala. Ela diz que tem<br />
duas certidões de nascimento, uma verdadeira<br />
e uma falsa, e diz que não queria<br />
trocar seu sobrenome. Em seguida se<br />
deita no divã e brinca de dormir e de<br />
sonhar com um fantasma, um morto que<br />
foi assassinado.<br />
Assim Teresa reintroduz o tema que<br />
percorre toda a sua análise: seu medo de<br />
fantasmas, vampiros, dos zumbis, dos<br />
mortos vivos, do Chuck, da Múmia. Relata<br />
filmes que assistiu, histórias que ouviu<br />
ou inventou com esses personagens.<br />
“Você conhece a história do Chuck? Foi<br />
uma mulher que matou um homem, depois<br />
tirou a alma dele e colocou num boneco.<br />
Depois, no segundo filme, ele queria<br />
uma companheira, para não ficar sozinho.<br />
Então ele vai matar uma menina e<br />
vai colocar a alma dela numa boneca, aí<br />
eles vão ter um bebe.”<br />
Nessa época fala sempre de seu pai, a<br />
mudança do seu nome, e começa a estabelecer<br />
uma relação mais efetiva com ele.<br />
Algum tempo depois monta uma peça de<br />
teatro na escola e passa quase todo o ano<br />
letivo às voltas com essa montagem, em<br />
que ela escreve o texto, dirige a peça e interpreta<br />
um dos personagens. A peça é<br />
sobre o folclore brasileiro e na historia<br />
que Teresa criou, ela interpreta o Anhangá,<br />
personagem que se envolve numa disputa<br />
de vida e morte com a Cuca e sai vitorioso,<br />
na batalha final. Teresa descreve<br />
o seu personagem da seguinte forma: “O<br />
Anhangá é um veado com olhar de fogo.<br />
Ele engana os caçadores, causando febre<br />
e loucura em quem olha para ele. É um<br />
protetor da floresta. Ele é todo azul, aparece<br />
e desaparece. Ele e um zumbi, um<br />
morto vivo”.<br />
Podemos verificar como Teresa, partindo<br />
do significante “Baleia Assassina”,<br />
apelido dado por um colega da escola, vai<br />
construindo sua cadeia: Loura Assassina,<br />
Chuck, Morto Vivo, Zumbi, Múmia,<br />
Anhangá. E dessa forma, constrói uma<br />
teia simbólica com a qual tenta dar sentido<br />
ao real do trauma, operando um ciframento<br />
do gozo presente no seu sintoma<br />
de incontinência, com a sua satisfação paradoxal.<br />
Com isso consegue interromper<br />
o tempo da demanda, aprisionado na repetição<br />
infinita do seu sintoma. Poderíamos<br />
concluir que isso se dá num processo<br />
temporal em que a transferência viabiliza<br />
uma substituição dos objetos da demanda<br />
– a comida e o coco – pelo objeto<br />
causa do desejo – o olhar - como ele<br />
comparece em sua construção do personagem<br />
do Anhangá.<br />
Paralelamente a esse trabalho de ciframento,<br />
Teresa passa a gostar de usar o<br />
sobrenome do pai, consegue emagrecer<br />
bastante e começa a se interessar pelos<br />
meninos da escola. Ela também começa a<br />
manifestar um grande interesse pela história<br />
do Egito, seus faraós, sua cultura.<br />
Sempre procura livros e filmes com esse<br />
tema. Seu personagem favorito é um sacerdote<br />
que é assassinado como castigo<br />
por amar uma mulher proibida. Ele é mumificado<br />
e ressurge centenas de anos depois,<br />
quando uma expedição de pesquisa<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 207