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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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▪ A psicanálise no seu tempo<br />

A eternidade do espaço, ou o que podemos<br />

aprender com a pintura de Francis Bacon?<br />

Sonia Xavier de Almeida Borges<br />

rancis Bacon foi capaz de<br />

Fformalizar a sensação de<br />

tempo no espaço da tela.<br />

Para ele, o objetivo da<br />

arte deve ser o de romper<br />

com as percepções<br />

ordinárias e escapar dos<br />

clichês. Pintar as<br />

sensações, de modo a provocá-las<br />

também no receptador, foi o<br />

procedimento que escolheu para isto,<br />

ainda que o considerasse uma tarefa<br />

impossível. Queimava suas telas por<br />

não o haver conseguido,mas não<br />

admitia outra possibilidade.<br />

As características absolutamente<br />

originais do seu trabalho e esta ênfase<br />

que concede à função da sensação e<br />

também ao acaso na produção da obra<br />

de arte me instigaram a uma maior<br />

aproximação de sua pintura e da<br />

descrição que apresenta de sua<br />

atividade criativa nas entrevistas que<br />

concedeu a David Sylvester por vinte<br />

anos. Mas, o que a pintura de Bacon<br />

pode nos ensinar sobre o tempo?<br />

No texto “O inconsciente” de 1915,<br />

Freud menciona três características do<br />

tempo em psicanálise: organização descontínua,<br />

ou não linear, eternidade ou<br />

imutabilidade e independência do<br />

tempo cronológico tal como percebido<br />

pela consciência como tempo vivido.<br />

Estas ideias adquirem ainda maior<br />

precisão quando em 1920, em “Mais<br />

além do princípio do prazer”, onde põe<br />

em dúvida a afirmação kantiana de que<br />

tempo e espaço seriam duas categorias<br />

necessárias e inatas constitutivas de<br />

nosso pensamento. Mas, pode-se dizer<br />

que é, ainda neste mesmo ano, em<br />

“Uma nota sobre o bloco mágico” que<br />

apresenta a sua teoria sobre o tempo:<br />

“É como se o inconsciente estendesse<br />

sensores, mediante o veiculo do sistema<br />

Pcpt-Cs. Orientados para o mundo externo,<br />

e rapidamente os retirasse assim que<br />

tivesse classificado as excitações provenientes<br />

dele (...) Tive ainda a suspeita de<br />

que este método descontínuo de funcionamento<br />

do sistema Pcpt – Cs jaz no<br />

fundo da origem do conceito de tempo.<br />

(Freud, O Bloco mágico”, v. XIX, p.290)<br />

Poeticamente podemos resumir a perspectiva<br />

da psicanálise sobre o tempo com<br />

as palavras de Hamlet: “O tempo está<br />

fora dos gonzos”. Tempo que rompe<br />

com os critérios científicos – filosóficos<br />

clássicos de uma somatória de instantes, e<br />

tampouco se alinha à descrição moderna,<br />

bergsoniana, de um fluxo contínuo. Tempo<br />

livre de toda medida, intervalo, número.<br />

Independente do que seria a permanência,<br />

a sucessão ou a simultaneidade<br />

porque submetido à lógica indissociável<br />

dos efeitos de temporalidade relativos à<br />

incidência das cadeias significantes que,<br />

como mais tarde Lacan enfatizaria, condicionam<br />

a modulação temporal de cada<br />

sujeito. O Nachträglich põe em jogo um<br />

tempo que é paradoxalmente. reversível e<br />

descontínuo. Trata-se de um vir –a –ser<br />

no tempo e no espaço, feito de cortes,<br />

rupturas, como Freud o apresenta no livro<br />

dos sonhos:<br />

Como você sabe, estou trabalhando<br />

com a hipótese de que nosso mecanismo<br />

psíquico tenha se formado por um processo<br />

de estratificação material presente<br />

sob a forma de traços mnêmicos fica sujeito<br />

de tempos em tempos [sic] a um<br />

rearranj, de acordo com novas circunstâncias,<br />

a uma retranscrição. Assim, o que<br />

há de essencialmente novo em minha<br />

teoria é a tese de que a memória não se<br />

faz presente de uma só vez, e sim ao lon-<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 242

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