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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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A repetição e o tempo de saber<br />

▪ O tempo e estruturas clínicas<br />

m seu texto “A significação<br />

do falo” de 1958,<br />

E<br />

Lacan afirma que o<br />

desenvolvimento de<br />

uma criança ocorre na<br />

dialética entre a<br />

demanda de amor e a<br />

experiência do desejo. A<br />

demanda de um sujeito se constitui como<br />

demanda ao Outro (pulsão oral) e vai se<br />

tornar demanda do Outro (pulsão anal).<br />

Essa demanda do Outro é incondicional<br />

e o sujeito diante dela se vê assujeitado.<br />

O Outro demanda que o sujeito lhe de o<br />

complemento que lhe falta, o falo.<br />

Entretanto é o desejo que vai permitir ao<br />

sujeito destacar-se, desligar-se do Outro.<br />

O desejo tem uma função de defesa<br />

contra a demanda do Outro, introduzindo<br />

o sujeito na dimensão da escolha.<br />

Teresa é trazida ao consultório quando<br />

tinha oito anos de idade, devido a um<br />

sintoma de incontinência urinária e fecal<br />

(enurese e encoprese), que surgira aos<br />

quatro anos de idade e que vinha piorando<br />

com o tempo. A mãe de Teresa nunca<br />

conheceu seu próprio pai. Viveu sempre<br />

com sua mãe numa relação muito difícil.<br />

Depois de ter ficado grávida, nunca não<br />

voltou a falar com o pai de Teresa e<br />

assim a menina foi sempre filha de duas<br />

mães, a própria mãe e a avó. A ela foi<br />

dito que seu pai estava morto. Mas<br />

quando Teresa tinha quatro anos, ouviu<br />

sua avó dizer para a sua mãe: “Não<br />

minta. Ela tem que saber que o pai está<br />

vivo e que mora aqui no bairro.”<br />

Segundo o relato de sua mãe, foi a partir<br />

daí que Teresa iniciou com seu sintoma<br />

de incontinência. Conta ainda que,<br />

depois desse episódio, decidiu promover<br />

a aproximação da criança com o seu pai<br />

biológico e entrou na justiça com um<br />

processo de reconhecimento da paternidade<br />

e obtenção de pensão alimentícia.<br />

Depois de algum tempo, o sobrenome do<br />

Maria Luisa Sant’Ana<br />

pai de Teresa foi incorporado ao seu<br />

nome, ocorrendo assim uma mudança no<br />

seu registro civil.<br />

Quando recebo Teresa, em sua primeira<br />

sessão, verifico que ela apresenta uma<br />

obesidade importante, fala todo o tempo<br />

de comida e tem suas próprias questões:<br />

“Eu sou muito grande por isso na escola<br />

sempre tenho que ser a ultima, ficar atrás.<br />

Sou obrigada a sentar na última carteira.<br />

O meu colega me colocou o apelido de<br />

Baleia Assassina. Eu não tenho culpa se<br />

minha mãe me deu fermento para eu<br />

crescer”.<br />

Teresa passa a maior parte das sessões<br />

contando historias fantasiosas sobre as<br />

aparições de uma loura, assassina de<br />

crianças, que costumam acontecer no banheiro<br />

da escola. Em meio a essas<br />

narrativas faz comentários do tipo: “Eu<br />

me caguei de medo” ou “Eu me mijei de<br />

medo”.<br />

Com o prosseguir de seu processo de<br />

análise, começaram a surgir os comentários<br />

sobre as notas falsas. Ela examinava<br />

cuidadosamente as cédulas de dinheiro<br />

com que pagava as sessões antes de entregá-las<br />

a analista e comentava que é preciso<br />

ter muito cuidado, pois há muito dinheiro<br />

falso circulando por ai. Dentro<br />

dessa série, comenta sobre uma professora<br />

que tem unhas muito longas, pintadas<br />

de vermelho, mas eram unhas falsas. Então<br />

ela comenta: “Ela podia machucar<br />

uma criança com aquelas unhas falsas”.<br />

Essas associações de Teresa demonstram<br />

que para a menina, a descoberta da<br />

mentira de sua mãe a respeito de seu pai,<br />

põe em questão a demanda da mãe, que<br />

se apresenta, então, como uma demanda<br />

falsa, não confiável e mortífera.<br />

A revelação de que seu pai biológico<br />

não estava morto, se constitui num momento<br />

traumático, de invasão de real, que<br />

marca um certo fracasso da função paterna<br />

de defender a criança das demandas<br />

do Outro. A função paterna é falha por<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 206

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