O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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Migdalek, no texto acima citado, nos<br />
lembra que Freud em Recordar, Repetir e<br />
Elaborar faz uso, como já o havia feito<br />
em A interpretação dos Sonhos, do<br />
termo – Arbeit – trabalho. Ela chama<br />
atenção para o fato de que, nesse artigo<br />
de 1914, Recordar, Repetir e Elaborar, ao<br />
falar de trabalho – Arbeit – Freud<br />
recorre também a um outro termo –<br />
Durcharbeitung – que conota um<br />
movimento e que, literalmente, se<br />
poderia traduzir como “trabalhar através<br />
de”. Este termo Durcharbeitung vem<br />
marcar a importância da transferência,<br />
um dos conceitos fundamentais na<br />
experiência psicanalítica, que diferencia o<br />
tratamento analítico de toda a influência<br />
por sugestão.<br />
Podemos constatar que, ao se falar de<br />
transferência, entre outras coisas, se está<br />
a falar do tempo, tal como a psicanálise o<br />
concebe.<br />
Lacan, em vários momentos de seu<br />
ensino, como Freud o fez, vai também<br />
conceder importância à questão do<br />
tempo na experiência psicanalítica. No<br />
seu texto Função e campo da fala e da<br />
linguagem em psicanálise, ele inova e<br />
chama atenção para o futuro anterior<br />
quando nos diz: “Identifico-me com a<br />
linguagem, porém, somente, ao me<br />
perder nela como objeto. O que se<br />
realiza em minha história não é o<br />
passado simples daquilo que foi, uma vez<br />
que já não o é, nem, tampouco, o<br />
perfeito composto do que tem sido<br />
naquilo que sou, mas o futuro anterior<br />
do que terei sido naquilo que estou me<br />
transformando” .<br />
Em Subversão do sujeito e dialética do desejo<br />
no inconsciente freudiano, ao construir o<br />
grafo do desejo, Lacan volta a destacar a<br />
questão do futuro anterior ao se referir<br />
ao “efeito de retroversão pelo qual o<br />
sujeito, em cada etapa, se transforma<br />
naquilo que era, como antes, e só se<br />
anuncia “ele terá sido”, no futuro<br />
anterior” .<br />
Nesse sentido, podemos dizer que o<br />
futuro anterior, na experiência psicanalítica,<br />
consiste em situar, na entrada em<br />
análise, um significante do passado que<br />
pode anunciar a saída. O futuro anterior<br />
vai exigir, da entrada á saída da<br />
experiência analítica, a articulação do S1,<br />
significante da entrada, a um outro<br />
significante, o S2 que, por sua vez, vai<br />
fazer cair o a que, sem dúvida, é o que<br />
está em jogo no final. Enquanto significante<br />
do passado, este significante da<br />
entrada anuncia o que será o sujeito na<br />
saída da experiência analítica na medida<br />
em que ele participa da transformação e<br />
é, ele mesmo, o operador da transformação.<br />
Podemos observar, no Discurso<br />
do Mestre, esta relação do significante<br />
mestre, S1, significante da entrada que se<br />
articula a um outro significante, o S2,<br />
para que o Sujeito, $ , se encontre, no<br />
final, com o objeto a.<br />
Assim, quando se fala de regressão<br />
temporal, como na frase – terei sido<br />
naquilo que estou me transformando –,<br />
temos aí um exemplo de futuro anterior<br />
porque nela o sujeito não volta ao<br />
passado, é o significante do passado que<br />
se atualiza.<br />
É o que podemos constatar em outro<br />
sonho no qual o significante mãe, do<br />
sonho anterior, reaparece deformado<br />
através de um recurso translinguístico -<br />
MAR - MER; MÈRE - MÃE e se<br />
atualiza no trabalho da transferência,<br />
num tempo de compreender, situando<br />
uma pressa para o momento de concluir.<br />
O outro sonho<br />
De repente, ela se vê a deixar a casa<br />
ainda adormecida e a caminhar descalça<br />
pela relva orvalhada em direção á praia.<br />
Percebe que a conhecida areia da praia,<br />
antes tão fina e dócil no contato com os<br />
pés, apresentava, agora, um aspecto<br />
hostil. Os pingos fortes da chuva da<br />
madrugada haviam deixado sulcos na<br />
areia formando grumos grossos e<br />
pontiagudos que, como espinhos, tornavam<br />
difícil a caminhada.<br />
Deteve-se, então, e percebeu que se<br />
encontrava frente a três escolhas: o retornar<br />
à casa, o adentrar-se em direção<br />
ao mar perigoso, e a terceira ( a que será<br />
escolhida): seguir o caminho difícil ao<br />
longo da costa a se perder de vista.<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 106