17.04.2014 Views

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

em alguma coisa que já está lá e que se<br />

nomeia como saber” (Lacan, 2007<br />

[1975/76]).<br />

$ → S1<br />

a // S2<br />

Falar para ser escutado, falar para ser<br />

visto, falar para furar o Outro ou para<br />

fazê-lo existir. O saber, no dispositivo<br />

analítico, passa a ser uma produção, que<br />

se retira do próprio sujeito pelas formações<br />

do inconsciente. Evidenciam-se, assim,<br />

os dois aspectos da transferência: se, pela<br />

inclusão do analista na fantasia<br />

fundamental, ela é a atualização da realidade<br />

sexual inconsciente – isto é, da<br />

relação sexual impossível –, ela não é,<br />

entretanto, apenas repetição de um<br />

passado a ser revelado à luz da memória.<br />

Ao contrário, o que abre a margem para<br />

o ato analítico, é justamente sua vertente<br />

de criação.<br />

Durante a maior parte do tempo que<br />

dura uma análise, entretanto, o que se<br />

cria – a partir dessa aspiração vã<br />

chamada neurose de transferência – é<br />

uma ficção. Ficção que enquadra e<br />

justifica a realidade ao construir, pouco a<br />

pouco, o castelo onde iriam habitar o<br />

saber e a verdade após consumarem seu<br />

casamento impossível. Aprisionado na<br />

torre que ele próprio terá erguido, o<br />

sujeito desconhece a servidão voluntária<br />

implicada em sua fixação no objeto<br />

parcial da fantasia que se sustenta num<br />

equívoco: o da totalidade do gozo. Construir<br />

o castelo da fantasia é, logicamente,<br />

condição necessária, contanto que o<br />

sujeito não se contente em habitá-lo.<br />

A produção, ao longo de uma análise,<br />

portanto, porta em seu âmago o cúmulo<br />

do engano, que Lacan chamou o<br />

equívoco do SSS: “Suposto no saber em<br />

que ele consiste como sujeito do<br />

inconsciente” (2003 [1973]). Suposição,<br />

ainda demasiado neurótica, de que o<br />

saber produzido sob transferência<br />

alcançará enfim o objeto da fantasia<br />

inconsciente localizado, como verdade,<br />

em algum lugar do passado.<br />

Um analisante testemunhou com uma<br />

anedota o momento em que se deu conta<br />

de sua posição na fantasia: Dois homens assaltam<br />

um banco e cada um foge com uma mala.<br />

Após alguns anos, um dos assaltantes, que<br />

havia ficado rico com o dinheiro roubado, vê<br />

pela janela de seu carro, um mendigo que ele<br />

reconhece ser seu cúmplice no assalto. Curioso,<br />

pára o carro para perguntar por que ele estava<br />

naquela situação miserável? E o outro responde:<br />

Na minha mala só encontrei papéis com dívidas.<br />

Passar a vida pagando a dívida contraída<br />

por outro e, a partir dessa escolha, pagar<br />

o preço de viver na miséria pela culpa de<br />

reconhecer-se agente de outro crime. A<br />

piada – que de resto revelava a presença<br />

do objeto anal articulado ao olhar –<br />

aludia a uma cena de sua infância,<br />

reconstruída a partir da intervenção da<br />

analista: fora severamente repreendido<br />

por roubar as ferramentas do pai nas quais<br />

era proibido terminantemente de mexer,<br />

para emprestá-las a um amigo, obtendo<br />

assim o prestígio de ser visto como<br />

aquele que tem as ferramentas. Caía, assim,<br />

sua imagem tão cultivada de “menino<br />

bonzinho”. A presença, entretanto, do<br />

duplo especular, encarnado naquele que<br />

goza da vida, do dinheiro e das mulheres<br />

ao roubar a mala certa, ainda<br />

permaneceu durante muito tempo, nessa<br />

análise, como um ideal a ser alcançado<br />

pelo avesso.<br />

3. Decisão: O momento do ato/fazer<br />

outra ficção do real. Sabemos, desde<br />

Freud, que os tempos da construção da<br />

fantasia até sua redução a um resíduo<br />

dessubjetivado, dependem das escansões<br />

operadas pelo analista. O jogo do<br />

tratamento analítico, assim, gira em torno<br />

do corte. É o corte que tornará possível<br />

o salto mais além das seqüências da<br />

construção. Aquele mesmo analisante,<br />

quando se dá conta da consistência que<br />

havia dado ao Outro que não existe,<br />

inicia a sessão com o seguinte chiste: O<br />

português entra num ônibus vazio, com a<br />

presença apenas do motorista e do cobrador e<br />

senta-se em um lugar qualquer. Está chovendo e<br />

justo no lugar escolhido tem uma goteira que<br />

pinga sobre sua cabeça. Após algum tempo<br />

circulando, o cobrador pergunta: - Português,<br />

não tem ninguém no ônibus e você fica com essa<br />

goteira pingando em cima da sua cabeça. Porque<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 27

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!