O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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▪ A psicanálise no seu tempo<br />
Duração e profundidade: algumas<br />
considerações sobre espaço e tempo a partir<br />
da pintura renascentista<br />
m seu texto O Tempo<br />
E<br />
Lógico e a asserção da certeza<br />
antecipada, Lacan<br />
utiliza o que ele denomina<br />
um sofisma para<br />
discutir a insuficiência<br />
da lógica clássica na<br />
resolução de<br />
problemas que envolvam a dimensão<br />
temporal. A dificuldade residiria<br />
segundo Lacan, na redução do tempo a<br />
uma única dimensão, a duração, que<br />
seria representada de maneira<br />
espacializada: ao que pode ser visto de um<br />
único golpe 278 . No entanto a crítica de<br />
Lacan à espacialização do tempo não<br />
deve ser entendida como uma recusa a<br />
qualquer tentativa de articulação entre<br />
essas duas dimensões, o recurso à topologia<br />
mostra um esforço para<br />
ultrapassar uma concepção que<br />
considera o tempo uma sucessão de<br />
instantes e o representa espacialmente<br />
ora congelando um desses instantes, ora<br />
enlaçando-os em cenas das quais se<br />
depreenderia uma dimensão cronológica.<br />
No entanto, seriam essas as<br />
duas únicas formas de tratar as relações<br />
espaço-tempo? Não haveria uma forma<br />
de espacialização do tempo (além da topológica)<br />
que seguisse outros critérios<br />
que os da linearidade? Vejamos as formas<br />
pelas quais esta questão foi<br />
enfrentada em um momento específico<br />
da história da arte e se as articulações aí<br />
produzidas podem contribuir para o<br />
nosso propósito. No que se refere à arte<br />
de maneira geral o início do<br />
Renascimento representa um momento<br />
de profundas modificações nas formas<br />
pelas quais os homens e suas relações<br />
278<br />
LACAN, J. O Tempo Lógico e a asserção da certeza<br />
antecipada. In: Escritos. Rio de Janeiro, Jorge<br />
Zahar, 1998, p.202.<br />
Luís Guilherme Mola<br />
com o mundo são representadas. No<br />
entanto, é talvez na pintura que essas<br />
modificações se mostram mais<br />
contundentes. As figuras “chapadas” e<br />
justaposição de cenas para representar a<br />
passagem do tempo, tão típicos da<br />
pintura medieval, já não são mais<br />
suficientes para dar conta do olhar do<br />
artista da Renascença. Torna-se<br />
necessário encontrar novas maneiras de<br />
representar uma realidade que adquiriu<br />
novas dimensões. As relações entre<br />
espaço e tempo tiveram que ser revistas<br />
ou mesmo subvertidas, a partir do<br />
momento em que a visão passa a ser<br />
concebida mais como uma atividade da<br />
mente do que como uma função<br />
óptica 279 . Entendida como função óptica,<br />
a visão receberia da realidade suas<br />
formas, cores e relações cabendo ao<br />
artista reproduzi-los a seu modo. Se, no<br />
entanto, a visão passa a ser entendida<br />
como uma ação do intelecto na qual o<br />
olho é apenas um instrumento, o<br />
movimento se dá do sujeito para o<br />
exterior, ação que organiza o espaço, que<br />
o submete a regras, que o deforma para<br />
que ele, paradoxalmente, se torne mais<br />
semelhante ao que pretende representar.<br />
A visão perspectiva é o oposto da visão<br />
óptica. O ponto de vista do artista<br />
encontra-se projetado no ponto de fuga<br />
da representação que ele constrói. Um<br />
belo exemplo de como o olho do artista<br />
é “colocado” no quadro encontra-se em<br />
uma das primeiras experiências sobre a<br />
determinação das leis da perspectiva<br />
realizada por Brunelleschi. Ele pinta um<br />
retábulo representando o Batistério de<br />
Florença que para fornecer a ilusão de<br />
profundidade deveria ser posto diante de<br />
279<br />
ARGAN, G. C. Clássico e anticlássico: o<br />
Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. São Paulo,<br />
Companhia das Letras, 1999.<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 239