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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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coisas futuras. Se me é lícito empregar<br />

tais expressões, vejo então<br />

três tempos e confesso que são<br />

três. (AGOSTINHO, 1970)<br />

A partir do destacado fica possível perceber<br />

os esforços para marcar o tempo<br />

como algo que de alguma maneira<br />

constitui-se a partir da relação com o<br />

sujeito sendo que o mesmo é seu<br />

corolário – o sujeito se dá no tempo –<br />

apesar de não ser algo que se apresente<br />

claramente, ou seja, não há consciência<br />

declarada destes aspectos. Se Agostinho<br />

aponta para o aspecto da subjetividade<br />

do tempo, ou seja, o tempo em sua teoria<br />

não é algo independente do homem e<br />

objetivo, mas contrário a isso, nos dirige<br />

também para perceber a relação de<br />

reciprocidade entre estes dois elementos.<br />

Se o tempo existe por causa de nossas<br />

consciências esta só se dá por conta do<br />

tempo.<br />

Ao fazer uso de Agostinho, faço aqui<br />

uma proposital digressão, por saber que<br />

este foi lido por Heidegger que por sua<br />

vez foi lido por Lacan, para o qual o<br />

tempo não é qualquer coisa. O tempo é<br />

algo caro à teoria e à clínica lacaniana.<br />

Além de ser um divisor político, na<br />

história da psicanálise, se assim podemos<br />

entender, acaba sendo norte para a<br />

condução dos tratamentos. Se a chamada<br />

subjetividade humana se plasma numa<br />

certa temporalidade que se plasma no<br />

humano, então a clínica deve incluir<br />

como um de seus elementos passíveis de<br />

manejo o próprio tempo – não há clínica<br />

lacaniana sem uma séria reflexão sobre a<br />

incidência do tempo.<br />

É desta maneira que entrada e saída<br />

não são termos ingênuos ou automáticos<br />

na proposta de J. Lacan, mas nos remete<br />

a uma preocupação que passou a ficar<br />

mais destacada na psicanálise a partir<br />

deste autor que acolhe o desdobramento<br />

das consequências do tempo no<br />

tratamento psicanalítico – não há entrada<br />

espontânea em análise e se assim o é, a<br />

mesma pode ser pensada como algo que<br />

se refere ao analisando, mas que envolve<br />

o analista em todos os seus aspectos da<br />

função que ocupa. Se não há entrada<br />

espontânea, então não basta um<br />

encontro de um sujeito que fala e outro<br />

que escuta – aqui estamos frente a uma<br />

distinção possível entre a psicanálise e as<br />

psicoterapias. Não basta um ‘encontro’<br />

onde um se põe a falar e outro a escutar,<br />

alguém deve se dispor a um lugar de<br />

escuta que inclua a indecorosa proposta<br />

de que o inconsciente se apresenta pelas<br />

vias inusitadas da linguagem – o<br />

inconsciente é estruturado como<br />

linguagem. Caso isso não ocorra corre-se<br />

o risco de se manter muito facilmente<br />

num registro dominado pelo imaginário<br />

onde a linguagem é um sistema de<br />

signos, que possibilita a comunicação e o<br />

entendimento entre, no mínimo, duas<br />

partes.<br />

Lacan pautado na proposta freudiana<br />

do ‘fale tudo’ coloca-nos frente a um<br />

dispositivo – nesta relação não espontânea<br />

vai se instalando aquilo que pode<br />

ser recortado como dispositivo que<br />

conta com o próprio analista como recurso,<br />

para que o ‘fale tudo’, o ‘não sugerir’,<br />

a outra cena, e até mesmo um<br />

outro tempo possa se instalar. Um<br />

tempo onde o sujeito possa se ver plasmado<br />

pelas teias significantes das quais<br />

fizeram dele e que fez uso para ser hoje<br />

o que é. Lacan como bom freudiano leva<br />

às últimas consequências a proposta do<br />

pai da psicanálise: implicar o paciente de<br />

outra maneira em relação a sua queixa e<br />

ao enunciado de seu tormento.<br />

Desta feita fica claro que a psicanálise<br />

somente poderá se desenvolver ao preço<br />

de um constituinte ternário, que é o<br />

significante introduzido no discurso que<br />

se instaura – cabe ao analista dar ouvidos<br />

ao significante que se intromete no<br />

discurso. E isso somente é possível a<br />

partir do momento que há qualquer um<br />

ocupando o lugar de analista, mas não<br />

um qualquer, pois necessariamente<br />

precisou passar pelos desfiladeiros<br />

daquilo que agora pode oferecer.<br />

Escutemos Quinet:<br />

É o analista com seu ato que dá<br />

existência ao inconsciente, promovendo<br />

a psicanálise no particular<br />

de cada caso. Autorizar o início de<br />

uma análise é um ato psicanalítico<br />

– eis a condição do inconsciente<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 108

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