O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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▪ A psicanálise no seu tempo<br />
Tempo e política na clínica psicanalítica<br />
Marcelo Amorim Checchia<br />
m 1961 foi criada pela<br />
E<br />
IPA (International Psychoanalytical<br />
Association) uma<br />
comissão que ficou<br />
conhecida como Comissão<br />
Turquet, por ser dirigida<br />
pelo psicanalista inglês<br />
Pierre Turquet, cuja missão era a de<br />
investigar a SFP (Société Française de<br />
Psychanalyse) e, principalmente, o uso<br />
do tempo na prática clínica lacaniana.<br />
Essa comissão chegou a convocar<br />
analisandos de Lacan para obter informações<br />
sobre seu método e, mais especificamente,<br />
sobre o tempo de duração<br />
das sessões (Didier-Weil, Alain; Weiss,<br />
Emil; Gravas, Florence;, 2007). Isto porque,<br />
já há algum tempo, ao longo da década<br />
de 1950, Lacan ficou conhecido por<br />
conduzir as análises didáticas sem seguir<br />
os padrões estabelecidos pela IPA,<br />
principalmente no que diz respeito à<br />
arbitrariedade dos 50 minutos de sessão.<br />
A variabilidade e o encurtamento do<br />
tempo da sessão lacaniana suscitaram<br />
uma questão propriamente política. Os<br />
dirigentes da IPA – primeira instituição<br />
psicanalítica internacional, fundada por<br />
Freud e Ferenczi em 1910 –, fizeram valer<br />
o poder a eles investido pela própria<br />
comunidade de analistas da qual Lacan<br />
queria fazer parte e negaram o<br />
reconhecimento da SFP. Em 1963 a<br />
Comissão Turquet emitiu seu parecer<br />
final negando o pedido de filiação da<br />
SFP à IPA. O que estava em jogo,<br />
portanto, era a legitimação ou não de<br />
uma instituição psicanalítica em função,<br />
essencialmente, do respeito ao tempo<br />
cronológico da sessão. É a política<br />
interferindo diretamente no tratamento<br />
do sujeito.<br />
Mas a conjunção entre tempo e política<br />
apresenta ainda outras interferências na<br />
clínica psicanalítica. O tempo dos<br />
cidadãos destinado ao trabalho, ao lazer<br />
ou ao cuidado de si é também de domínio<br />
da política. Nas grandes cidades da<br />
sociedade contemporânea os homens se<br />
organizaram de tal forma, com base em<br />
tal sistema econômico, que tempo passou<br />
a significar dinheiro. O tempo de produção,<br />
de consumo e mesmo das relações<br />
interpessoais fora do âmbito profissional<br />
foi abreviado. No nível da organização<br />
do trabalho, as corporações exigem alta<br />
produtividade num curto espaço de<br />
tempo; no nível ideológico, as<br />
propagandas demandam alto consumo<br />
em ritmo acelerado. A maioria dos<br />
cidadãos está submetida a essa política<br />
do tempo.<br />
Olhando por essa perspectiva, poderse-ia<br />
dizer que as sessões lacanianas mais<br />
curtas enquadram-se perfeitamente nessa<br />
política. Inclusive, essa era uma das<br />
críticas que Lacan recebia: ele podia atender<br />
muito mais pessoas e assim enriquecer<br />
mais facilmente. “Lacan era um capitalista!”,<br />
poderiam bradar seus críticos.<br />
Trata-se, obviamente, de um grande equívoco.<br />
Em seu sétimo seminário, A ética<br />
da psicanálise (1959-1960/1997), Lacan<br />
deixa bem claro que a clínica psicanalítica<br />
não deve seguir na direção da política de<br />
felicidade (e seu equivalente na idéia de<br />
sucesso da análise como conforto individual)<br />
própria daquilo que ele denominou<br />
de “serviço dos bens” . A garantia de<br />
bem-estar no plano político não passa de<br />
uma falácia: o ordenamento universal do<br />
serviço dos bens implica sacrifícios, renúncias,<br />
o que na verdade complica a relação<br />
do homem com seu desejo. Portanto,<br />
além de questionar e mesmo criticar<br />
qualquer associação da clínica psicanalítica<br />
com o propósito de re-educação emocional<br />
por meio da harmonização entre<br />
as instâncias psíquicas e de adaptação e<br />
adequação ao sistema social, Lacan, em<br />
seguida, denuncia o poder do “serviço de<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 250