O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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de refletir o caráter fundamentalmente<br />
decepcionante da ordem simbólica, se<br />
mostra dessimbolígeno e que, por esse<br />
fato, não constitui mais limite para um<br />
imaginário desvairado, favorecendo,<br />
assim, a vitimização tanto quanto a<br />
inflação das expectativas”. 302<br />
Estabelecido o quadro sócio-psíquico<br />
contemporâneo, resta-nos, a seguir,<br />
tentar traçar algumas possibilidades de<br />
atuação do psicanalista. Parece-nos que a<br />
intervenção do psicanalista (ou do saber<br />
psicanalítico) no ambiente social – em<br />
sentido amplo – é cada vez mais necessária<br />
em função dos processos patologicamente<br />
desagregadores mencionados até<br />
aqui, cada vez mais dispersos e mais intensos.<br />
É preciso salientar, antes, que a ciência<br />
e seu discurso, falham. A ciência não é<br />
capaz de tudo dizer sobre a verdade das<br />
coisas ou da verdade do homem. Como<br />
nos recorda Lebrun, “com efeito, ali<br />
onde, antes de seu nascimento, Real e<br />
Simbólico estavam intrincados, o que o<br />
‘projeto matemático da natureza’ instala é<br />
um Simbólico que, sozinho, doravante,<br />
elidindo a enunciação, pretende dar conta<br />
do real (...); um real com o qual, a partir<br />
de então, a ciência não para de querer coincidir,<br />
‘esquecendo’ a intrincação da<br />
qual, no entanto, procede; seguramente,<br />
não pode chegar a isso, é uma impossibilidade<br />
estrutural (...)”. 303<br />
Havendo uma impossibilidade estrutural,<br />
a realidade trabalhada pela ciência<br />
e o Real não se confundem jamais. Se,<br />
de um lado, isso alimenta o discurso da<br />
ciência (real e realidade se equipararão<br />
um dia); de outro, delimita o lugar de<br />
onde a psicanálise pode trazer algo de<br />
novo, algo que permita desconstruir esse<br />
discurso, ressaltando o lugar do sujeito.<br />
A função da psicanálise, portanto, é a de<br />
ressaltar o lugar do sujeito, contrapondose<br />
à função da ciência e de seu discurso.<br />
Lacan utiliza o termo constituição do<br />
sujeito para marcar o caráter de positividade<br />
que ele possui. O sujeito, para a<br />
psicanálise, não surge da interação de exterioridades,<br />
mas, ao contrário, ele se<br />
302<br />
LEBRUN, J-P. op. cit.; pág. 170<br />
303<br />
LEBRUN, J-P. op. cit.; pág. 61<br />
constitui. O sujeito “é a prova positiva e<br />
concreta de que é não apenas possível<br />
como absolutamente exigível e necessário<br />
que se conceba o vetor em torno do qual<br />
se organiza o campo de atuação da<br />
psicanálise como tendo um modo de<br />
produção que não é nem inato nem<br />
aprendido”. 304<br />
O sujeito tem sua origem na linguagem.<br />
Não é o caso aqui de nos depararmos<br />
com o desenvolvimento da teoria do<br />
sujeito em Lacan, mas faz-se necessário<br />
apontar o caráter social de sua teoria. Isto<br />
é, a psicanálise é antes de tudo, articulada<br />
ao mundo social. O bebê humano só se<br />
transforma em um sujeito humano se for<br />
inserido numa ordem familiar e social<br />
específica. A esse desamparo de base<br />
deve corresponder uma resposta. Essa<br />
resposta, como sabemos desde Lacan,<br />
provém do Outro. Esse Outro, no entanto,<br />
deve ser encarnado, deve ser alguém,<br />
deve, antes de tudo, ser capaz de representar<br />
a ordem simbólica. É a partir desta<br />
ordem simbólica que chegam ao bebê humano<br />
os significantes – marcas materiais<br />
e simbólicas – que “suscitarão em seu<br />
corpo, um ato de resposta que se chama<br />
de sujeito”. 305 Os significantes recebidos,<br />
portanto, gerarão respostas de sentido<br />
que constituirão o novo sujeito.<br />
Esse sujeito, que nenhuma relação<br />
possui com a biologia, é o que nos caracteriza<br />
como humanos. É esse sujeito que<br />
está sendo ameaçado pela lógica dos discursos<br />
capitalista e da ciência pois, como<br />
discursos da cultura, emitem, através do<br />
Outro, significantes enrijecidos e comprometidos<br />
com uma lógica<br />
“coisificante”. Essa lógica, como vimos,<br />
tenta inserir o próprio sujeito numa cadeia<br />
de objetos consumíveis. Reside aí o<br />
risco dos fenômenos culturais contemporâneos<br />
e suas respectivas conseqüências,<br />
refletidas na eclosão dos “novos sintomas”.<br />
Se observarmos bem,<br />
verificaremos que esses sintomas<br />
caracterizam-se pela progressiva<br />
dessubjetivação, isto é, pela ausência de<br />
referências a qualquer processo de<br />
304<br />
ELIA, L. O Conceito de Sujeito – Jorge Zahar<br />
Editor – 2004 – Rio de Janeiro; pág. 36<br />
305<br />
ELIA, L. op. cit.; pág. 41<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 292