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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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Um tempo de espera para o obsessivo: “Está<br />

provado: quem espera nunca alcança”<br />

Andréa Brunetto<br />

o mundo moderno,<br />

Ncapitalista, que tem<br />

pressa e que o tempo é<br />

dinheiro – algo a ser<br />

valorizado, um<br />

investimento – esperar<br />

é uma vergonha.<br />

Vergonha que recai<br />

sobre aquele que espera. Zygmunt<br />

Bauman, em “Vidas desperdiçadas”<br />

escreve: “correr atrás das coisas e<br />

capturá-las em pleno vôo, ainda frescas e<br />

cheirosas – isso é in. Adiar, escolher o<br />

que já está lá, é out.<br />

É esse ritmo vertiginoso, em que<br />

tempo é dinheiro, que faz com que a<br />

cada dia a avidez dos sujeitos – que é<br />

humana, demasiada humana, já que<br />

nenhum objeto pode tamponar a falta –<br />

seja diuturnamente reavivada por novos<br />

objetos que prometem o impossível.<br />

Então, esse trabalho une o tema do<br />

tempo com um pequeno extrato clinico<br />

em que mostra a entrada em análise de<br />

um sujeito obsessivo que “não pode<br />

esperar”.<br />

Por isso esse trabalho tem este título:<br />

frase da música de Chico Buarque de<br />

Holanda: “Está provado, quem espera<br />

nunca alcança. Faça como eu digo, faça<br />

como eu faço: aja duas vezes antes de<br />

pensar”.<br />

O obsessivo fica meio perdido nesse<br />

tempo atual em que tudo é rápido. A<br />

façanha é ser rápido, como na música de<br />

Chico, não adiar, não procrastinar. E ele<br />

tem necessidade de um grande tempo de<br />

compreender.<br />

Lacan alega que é necessário entender<br />

o Eu dos sujeitos histéricos e obsessivos<br />

para saber através de quem e a quem ele<br />

formula sua pergunta e, assim, reconhecer<br />

seu desejo. Afirma que o obsessivo<br />

“arrasta para a jaula de seu narcisismo os<br />

objetos em que sua questão se propaga,<br />

no álibi multiplicado de imagens mortais<br />

e, domando-lhes as acrobacias, dirige sua<br />

ambígua homenagem ao camarote em<br />

que ele mesmo se instala, o do<br />

mestre/senhor que não se pode ver”. E<br />

continua, afirmando que nesse<br />

espectador invisível do palco está a figura<br />

da morte.<br />

A relação entre a preocupação com seu<br />

desempenho e a morte já estava<br />

apontada por Freud desde o Homem dos<br />

Ratos, sustenta Quinet em Zwang und<br />

Trieb “quando se exibia tarde da noite, ao<br />

espectro paterno, quando se preparava<br />

para uma prova e abria a porta para seu<br />

falecido pai e, logo em seguida,<br />

contemplava seu pênis em espelho”.<br />

Tomando um recorte da minha clínica,<br />

esse sujeito obsessivo é um profissional<br />

eficiente e bem sucedido que sabe fazer a<br />

‘boa hora’. É uma análise que se inicia<br />

(tem menos de um ano) e desde a<br />

primeira sessão, ele reclama por eu não<br />

respeitar exatamente os horários<br />

marcados e ele fica tendo que esperar,<br />

esperar. Faz sempre a apologia de que<br />

gosta de tudo certo, nos dias e horários<br />

certos.<br />

Além da meticulosidade própria do<br />

obsessivo, não poder esperar é um dos<br />

lemas do capitalismo. Consuma e goze<br />

agora! E “o inconsciente não é anticapitalista,<br />

pelo contrário, ele trabalha<br />

incessantemente para produzir gozo”<br />

(Soler, A confusão dos discursos).<br />

Um dia é ele que tem de sair da rotina<br />

e mudar o horário de sua sessão e chegar<br />

depois das 20hs. Espera fora do<br />

consultório alguns minutos, sem saber se<br />

eu estava atendendo (a secretária já tinha<br />

ido embora). Então, abro a porta, um<br />

paciente sai e ele entra. Ao final da<br />

sessão, já em pé, me diz que achou que<br />

eu tinha esquecido ele lá fora. Digo que<br />

de forma alguma esqueci dele, o que<br />

esqueci foi de avisá-lo que nesse horário<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 92

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