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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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desejo, são atacados, tanto quanto o tempo<br />

da espera. Em seu lugar surgem “as<br />

categorias de segurança e de imediatez<br />

sem limite, já que estas são abusiva e<br />

enganosamente prometidas pelos<br />

implícitos de nosso social”. 299 Em<br />

especial, pelo discurso da ciência, que<br />

torna o sujeito reivindicador, na medida<br />

em que promete o “tudo é possível”.<br />

Dessa forma, o sujeito é posto como<br />

credor insistente de uma dívida que não<br />

é, contudo, passível de simbolização.<br />

Esse processo de avanço do capitalismo<br />

para as esferas mais íntimas da<br />

subjetividade permitiu a ingerência do<br />

discurso da ciência naquilo que sempre<br />

esteve fora de seus domínios. A subjetividade,<br />

de um lado, se coisifica, então, em<br />

neurônios, em bioquímica, em genética,<br />

e, de outro, se imaginariza, num processo<br />

complementar ao primeiro, tornando virtual<br />

as insígnias do ser, num simbólico<br />

que não marca mais a falta-a-ser mas que,<br />

ao contrário, alimenta uma promessa de<br />

“tudo é possível”.<br />

As chamadas “novas patologias”<br />

relacionam-se, então, “a uma defesa contra<br />

a desordem consequente à desinscrição<br />

do significante fálico”. Trata-se de<br />

uma tentativa de se desembaraçar do terceiro<br />

através do desembaraçamento do<br />

pai. O movimento realizado pelo sujeito,<br />

então, intenta desfazer essa relação com<br />

o terceiro, num correr da cadeia<br />

significante, sem ponto-de-estofo<br />

provocado pelo recalque. A consequência<br />

desse processo é a produção de um tipo<br />

de gozo mais ligado à imediatez e menos<br />

às representações do simbólico. Com<br />

isso, há uma ênfase na economia dos<br />

signos e o corpo – dessignificantizado –<br />

torna-se a sede desse gozo sem<br />

simbólico.<br />

Uma outra consequência desse<br />

processo pode ser constatada na progressiva<br />

necessidade de reconhecimento imaginário<br />

por parte do sujeito – antes sustentado<br />

e garantido pelo simbólico. Essa<br />

necessidade de reconhecimento imaginário<br />

tem como característica tornar o outro<br />

uma mera prótese contra a angústia,<br />

comprometendo sensivelmente a capaci-<br />

299<br />

LEBRUN, J-P. op. cit.; pág. 132<br />

dade de construção de laços sociais estáveis.<br />

“Seguramente, nos lembra Lebrun,<br />

podemos pensar que, no fim das contas,<br />

sempre foi assim, que a alteridade sempre<br />

foi traumática, o que é verdadeiro, mas o<br />

que parece atualmente novo é a<br />

amplitude da reação que ela suscita, é<br />

considerar que esse traumatismo não<br />

deveria ter acontecido; tudo se passa<br />

como se tivesse havido não só o<br />

apagamento da diferença, mas<br />

apagamento do apagamento; e quando a<br />

diferença, entretanto, é encontrada,<br />

assistimos seja a um comportamento de<br />

esfolado vivo, seja à indiferença<br />

absoluta”. 300 Nesse contexto, em que o<br />

Outro é visto como quem oferta bens e<br />

objetos de satisfação (capitalismo); ou<br />

que diz que nada é impossível (ciência), o<br />

sujeito depara-se com a ausência de<br />

referências. Isso provoca uma invasão de<br />

gozo e o outro adquire, não raras vezes,<br />

características meramente operacionais.<br />

Se as chamadas “novas patologias” são,<br />

na verdade, formas contemporâneas de<br />

se evitar a castração, há aí uma diferença<br />

fundamental: os discursos da ciência e do<br />

capitalista fundam um simbólico virtual,<br />

calcado basicamente na troca e no<br />

estabelecimento de imagens. O simbólico<br />

de uma época marcada pela religião era<br />

um simbólico de todos, “coextensivo à<br />

humanidade, preexistente a todos nós,<br />

não pertencente a ninguém”. Isso permitia<br />

ao sujeito se situar numa genealogia<br />

que lhe era própria; fundar sua sexualidade<br />

em termos que não se resumiam ao<br />

mero biológico do corpo, o fazer devedor<br />

perante a linguagem; ou seja, lhe permitia<br />

lançar-se no social tecendo inúmeras relações.<br />

O simbólico essencialmente virtual,<br />

introduzido pelos discursos dominantes,<br />

destrói “a falta comum a todos” e esgarça<br />

o tecido social. 301 Para Lebrun isso representa<br />

um germe totalitário presente no<br />

discurso da ciência que, “liberando-se da<br />

obrigação mítica do Pai, crê poder liberar-se<br />

da lógica do terceiro”. O discurso<br />

da ciência “destitui a legitimidade da autoridade<br />

e que, por abandonar sua tarefa<br />

300<br />

LEBRUN, J-P. op. cit.; pág. 168<br />

301<br />

Ver LEBRUN, J-P., op. cit.; pág. 169<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 291

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