O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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No processo criativo de seus romances<br />
e dramas, Mishima só começava a escrever<br />
quando determinava claramente o final.<br />
Depois pensava em como levar à<br />
conclusão, tendo em vista a última cena.<br />
E isso ele também praticou na sua existência.<br />
O escritor esculpiu o seu corpo<br />
como uma obra de arte, que segundo a<br />
sua estética estava irremediavelmente<br />
fadado à destruição, a tragédia derradeira.<br />
Dois anos antes de cometer o seppuku<br />
Mishima revela em Sol e aço a sua<br />
insatisfação com a literatura, pois nela<br />
embora a morte seja a força condutora<br />
na construção de ficções, a arte não<br />
morre, ela é eterna, cria uma flor imortal,<br />
artificial, ficção. Ao passo que na ação se<br />
morre com a flor que não é imortal. “Na<br />
literatura, a morte é mantida em xeque<br />
mas, ao mesmo tempo, usada como uma<br />
força condutora [...] Ação é morrer com<br />
a flor; literatura é criar uma flor imortal.<br />
E uma flor imortal, evidentemente, só<br />
pode ser uma flor artificial” (1968, p. 49).<br />
Com a sua morte Mishima combina ação<br />
e arte, a flor que fenece e a flor que dura<br />
para sempre, mistura a um só tempo os<br />
dois desejos mais contraditórios da<br />
humanidade e os respectivos sonhos da<br />
realização desses desejos.<br />
A forma de negação da castração do<br />
Outro: a Verleugnung<br />
Em “Esboço de Psicanálise”<br />
(1940 [1938]), especificamente na parte<br />
VIII, intitulada “O aparelho psíquico e o<br />
mundo exterior”, Freud dá uma enorme<br />
atenção à “divisão do eu” e ao<br />
“desmentido”. Esse importante trabalho<br />
Freud nos dá subsídios para supor o<br />
modo que Mishima encontrou para<br />
negar a castração do Outro: a Verleugnug.<br />
Mishima tentou constituir dois pólos de<br />
pureza e perfeição, dois absolutos, por<br />
uma separação que exclui a mistura deles.<br />
Os desejos divergentes representam duas<br />
soluções das quais cada uma traz um<br />
desmentido à castração materna e que,<br />
embora contraditórias, se reforçam<br />
mutuamente. Mishima perseguiu a<br />
solução da divisão do eu que se<br />
apresentava nas polaridades. No entanto,<br />
a fenda entre os pólos opostos não se<br />
preencheu, ao contrário só ressaltou a<br />
irremediável incompletude de cada um<br />
dos termos. “As flores artificiais da arte”<br />
e as “flores perecíveis da ação” são uma<br />
o ideal da outra. O gozo do instante e o<br />
da eternidade respondem a votos<br />
contrários. Só a morte pode resolver a<br />
discordância deles. Só a morte do belo<br />
herói conjuga a arte e a ação. A morte se<br />
afigura a única resolução possível da<br />
dualidade que o habita e a única maneira<br />
de parar o incessante movimento que o<br />
projeta de um pólo ao outro de sua<br />
subjetividade dilacerada.<br />
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Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 227