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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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leção por príncipes assassinados ou destinados<br />

à morte [...] Meu coração se inclinava<br />

para a Morte, a Noite e o Sangue”<br />

(1949, p. 20). As visões de príncipes que<br />

foram mortos o perseguiam tenazmente.<br />

“Quem poderia explicar-me por que eu<br />

ficava tão encantado com a fantasia em<br />

que aquelas roupas justas que moldavam<br />

o corpo, usadas pelos príncipes, eram<br />

associadas com suas mortes cruéis? [...]<br />

Eu me deliciava imaginando situações em<br />

que eu mesmo morria em combate ou<br />

assassinado” (1949, p. 20). A carga de<br />

desejo, ao mesmo tempo a qualidade<br />

trágica que está ligada a ela, pertence à<br />

figura do latrineiro, dos cavaleiros<br />

mortos na guerra, aos príncipes<br />

assassinados e aos mártires cristãos. Aos<br />

doze anos de idade pegou alguns livros<br />

de arte do pai.<br />

“Topei com uma figura que eu tinha<br />

que acreditar estivera ali à minha espera,<br />

por minha causa. Era uma reprodução<br />

do São Sebastião de Guido Reni. Um<br />

jovem excepcionalmente bonito estava<br />

amarrado nu ao tronco da árvore. Não é<br />

dor que paira sobre seu peito retesado,<br />

seu abdômen tenso, seus quadris<br />

levemente contorcidos, mas um tremular<br />

de prazer melancólico como a música”<br />

(1949, p. 32).<br />

Quando se depara com a gravura de<br />

São Sebastião o menino fica tão excitado<br />

que se masturba e tem a sua primeira ejaculação.<br />

A excitação sexual do protagonista,<br />

gerada ao ver a gravura do Martírio<br />

de São Sebastião também fora provocada<br />

pelo choque de erotismo e morte. São<br />

Sebastião passou a representar para<br />

Mishima o seu ideal de tipo físico<br />

masculino. Para Mishima a coragem era a<br />

coisa mais importante da vida. O<br />

princípio básico do corpo para ele é o<br />

culto do herói, um conceito físico, uma<br />

vez que relacionado ao contraste entre<br />

um corpo robusto e a destruição da<br />

morte. Em suma, é o tema do martírio<br />

de São Sebastião. Para Mishima a beleza<br />

estaria associada à destruição e a morte.<br />

A erotização da morte<br />

A erotização da morte se desvela em<br />

Mishima desde a mais tenra infância. As<br />

cenas descritas pelo autor – o encontro<br />

com o latrineiro, com os soldados, com o<br />

cavaleiro enfrentando à morte, com São<br />

Sebastião -, revelam que a partir dos seus<br />

quatro anos de idade esse sujeito conjuga<br />

solidão, erotismo e morte. Em Sol e Aço<br />

(1968), aos quarenta e três anos de idade,<br />

Mishima confessa que tentou aproximar<br />

o corpo e o espírito ao longo de toda a<br />

sua vida, mas “corpo e espírito nunca deram<br />

boa combinação” (1968, p.90). Contudo,<br />

Mishima não cessava de buscar a<br />

interseção tão almejada entre o corpo e o<br />

espírito “em algum lugar corpo e espírito<br />

devem se encontrar. Onde porém? [...]<br />

Em algum lugar deve haver um princípio<br />

maior onde os dois se encontrem e<br />

façam as pazes. Esse princípio maior, eu<br />

pensei, era a morte” (1968, p.90). Numa<br />

tarde de inverno, a 5 de dezembro de<br />

1967, três anos antes de seu seppuku.<br />

Mishima embarca num caça supersônico<br />

F104 transporta o seu corpo a 4500 pés<br />

da terra. “A esta distância da terra, minha<br />

aventura intelectual e minha aventura<br />

física poderiam se fundir em harmonia.<br />

Era o que eu sempre havia buscado”<br />

(1968, p. 100). Foi então, num momento<br />

de êxtase sexual, que ele viu a<br />

“gigantesca serpente de nuvens brancas<br />

cercando o globo terrestre e mordendo<br />

sua própria cauda”. Lá no alto, envolto<br />

pela morte, posto que “as regiões mais<br />

altas, onde não há ar, estão repletas de<br />

morte pura”, sua consciência<br />

contemplou a união de corpo e espírito,<br />

o gigantesco anel-serpente que supera as<br />

polaridades. O círculo da serpente revelava<br />

o mistério: “a carne e o espírito, o sensual<br />

e o intelectual, o dentro e o fora, vão<br />

desprender-se do chão e, mais alto, mais,<br />

mais alto até do ponto onde o círculoserpente<br />

de nuvens brancas que cerca a<br />

terra, todas as coisas vão se encontrar”<br />

(1968, p. 89). “O mundo interior e o<br />

mundo exterior tinham se invadido mutuamente<br />

e se tornado completamente<br />

intercambiáveis” (1968, p.100).<br />

O Seppuku: a derradeira erotização<br />

da morte<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 226

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