O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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▪ Modalidades subjetivas do tempo<br />
Luto e angústia no fim da análise<br />
ma análise chega a seu<br />
Ufim. Trata-se de um sujeito<br />
obsessivo que, após<br />
a morte inesperada da<br />
sua mulher, inicia uma<br />
vida amorosa dupla que<br />
se estende por anos, que<br />
lhe perturba e que lhe<br />
faz demandar análise. As duas mulheres<br />
abrem para o sintoma que ele mesmo<br />
nomeia “vou falar das duas”. Na entrada<br />
em análise, se apresenta uma piada na<br />
qual o significante que lhe representa é:<br />
“o malandro agulha”. A piada é a<br />
seguinte: um homem e uma mulher<br />
fazendo o amor são interrompidos por<br />
um estranho que está armado. Este, antes<br />
de estuprar a mulher, ordena ao amante:<br />
“você ficará dentro desse círculo” –<br />
desenhado no chão – “caso você saia, eu<br />
a mato”. Assim o amante fica ‘preso’ no<br />
círculo e pensa o seguinte: “poderei<br />
enganá-lo, poderei entrar e sair do círculo<br />
sem que ela me veja, enquanto ele transa<br />
com a minha mulher”. A satisfação se<br />
obtém desse desafio à morte. Eis a piada<br />
do “malandro agulha” que lhe representa<br />
em todas as situações nas quais ele se<br />
“afina” face às ameaças do Outro. Essa<br />
cena vincula às versões do pai,<br />
construídas na análise. Em relevo, outra<br />
cena, desta vez infantil, retorna em<br />
momentos cruciais da análise. Sendo<br />
criança, ele está no banheiro e ouve que<br />
sua avó materna está chegando em casa.<br />
Decide assomar-se pela janela e cuspir na<br />
cabeça da avó, acertando o alvo.<br />
Imediatamente depois sua mãe sobe as<br />
escadas, está possessa e força para que<br />
ele abra a porta do banheiro, ele não<br />
consegue não abrir, recebendo em<br />
castigo um monte de pimenta na boca e<br />
escondendo-se da sua própria vergonha<br />
na banheira. Essa cena será vinculada ao<br />
“malandro agulha”. Porém, perto do<br />
final, e por um sono, o “malandro” vira o<br />
“cagão”. Não sem angustia pode verificar<br />
que com o Outro, nem mesmo no<br />
Sandra Leticia Berta<br />
desafio amoroso que estabeleceu com a<br />
morte, com o Outro absoluto, só se pode<br />
ser cagão. Mas, por quê? Porque o Outro<br />
materno assim o desejou, em particular<br />
para ele, o filho predileto, bem sucedido<br />
e provedor. Momento de separação e de<br />
extração de um novo saber que lhe<br />
modifica sua vida amorosa. Jamais se<br />
tinha considerado um cagão com as<br />
mulheres, antes um “bom moço”, isto é:<br />
ideal materno do qual sabia há tempos na<br />
análise e pelo qual tinha atestado<br />
modificações subjetivas. Nesse tempo do<br />
final da análise se surpreende ao verificar<br />
como seu corpo respondeu ao “cagão”:<br />
cagando reiteradas vezes por dia, dado<br />
esse que nunca tinha sido considerado<br />
por ele.<br />
Por que razão, isso que se sabe no final<br />
da análise, se sabe nesse momento e não<br />
em outro? Por que razão, isso que se sabe<br />
estava à disposição no discurso do analisante,<br />
por vezes muito tempo antes? Por<br />
que não um pouco antes ou um pouco<br />
depois? Responderei a essa questão sobre<br />
a temporalidade perguntando-me se, nesse<br />
intervalo, entre o que estava à disposição<br />
do sujeito e não se sabia, ou se sabia<br />
um pouco, e o momento do fim da análise;<br />
devem ser articulados um ‘trabalho’, a<br />
saber: o luto; e um ‘afeto que não<br />
engana’ (Lacan, 1963), a saber: a<br />
angústia. Vale aqui uma ressalva: nem<br />
tudo passa ao saber. Se no fim da análise<br />
há um ganho de um saber, no mesmo<br />
momento resta uma dimensão<br />
enigmática.<br />
Organizo minha questão diferenciando<br />
brevemente luto e angústia. Tomo como<br />
referência as articulações de Lacan, em<br />
1963, quando diz “Não estamos de luto<br />
senão de alguém de quem poderíamos<br />
dizer: eu era a sua falta” (Lacan, 1962-<br />
1963, p. 151) em contraponto com a<br />
definição precisa da angústia: “a falta<br />
vem faltar” (Lacan, 1962 -1963, p. 50).<br />
Minha hipótese é que nesse intervalo<br />
do fim da análise, podemos articular uma<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 188