O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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▪ O tempo e estruturas clínicas<br />
O Tempo e a construção da metáfora delirante<br />
Georgina Cerquise<br />
A<br />
prática psicanalítica<br />
está relacionada, intrinsecamente,<br />
com o conceito<br />
de tempo. Em geral,<br />
ao submeter-se a<br />
uma psicanálise, o<br />
sujeito (1) retoma o<br />
fluxo de sua história,<br />
explicitando a descontinuidade temporal<br />
do inconsciente, que ex-siste, insiste e<br />
comparece nas reminiscências e<br />
elaborações: “Não existe nada que<br />
corresponda à idéia do tempo no<br />
inconsciente, não há reconhecimento da<br />
passagem do tempo (2)”. A Psicanálise<br />
trabalha com um tempo re-construído, a<br />
partir da escuta da realidade psíquica,<br />
possibilitando ao sujeito uma<br />
apropriação elaborada da sua história.<br />
Lacan observa sobre a construção artificial<br />
do tempo, para interrogar sobre o<br />
que insere o sujeito numa escala<br />
temporal razoável: “Onde pode estar a<br />
mola da exatidão, a não ser justamente<br />
no fato de se porem os relógios em<br />
concordância?(3)”. Na clínica da psicose,<br />
pela via do real, observa-se a<br />
impossibilidade da ordenação da<br />
temporalidade na cadeia significante.<br />
Existe um tempo que não para de<br />
chegar; o foracluído pelo sujeito não cessa<br />
de reproduzir-se, marcando a ausência<br />
do ponto de basta, de amarração da função<br />
fálica.<br />
Para Lacan, tal qual para Freud, a perda<br />
da realidade e a formação delirante (4)<br />
apontam para um futuro, um tempo assintótico,<br />
infinitamente prolongado. No<br />
caso Schreber, a sua transformação em<br />
mulher de Deus se dará num futuro distante:<br />
“Enquanto o futuro não acontece,<br />
cada qual continua seu trabalho de significantização<br />
do real para apaziguar o<br />
gozo que localiza parcialmente o Outro<br />
do delírio (5)”.<br />
Freud formula que, “no método descontínuo<br />
do sistema Pcpt-Cs, temos a<br />
origem do tempo (6)”. A falta de continuidade<br />
da percepção consciente do eu<br />
dá a noção do tempo, ou seja, o carrilhão<br />
da temporalidade se estabelece no intervalo,<br />
na hiância. No período de sua segunda<br />
internação, Schreber (7) comprova<br />
a tese freudiana. Em estado de vigília<br />
constante – uma insônia sequer atenuada<br />
com a medicação – e sem nenhum intervalo<br />
perceptivo para seu aparelho psíquico,<br />
ele perde a referência ao tempo que o<br />
mantinha em sua subjetividade:<br />
“Uma virada fatal para a<br />
história da Terra e da<br />
humanidade pareceu-me, então,<br />
indicada pelos acontecimentos<br />
de um único dia, do qual me recordo<br />
claramente, em que se<br />
falou de extinção dos relógios<br />
do mundo, e simultaneamente<br />
ocorreu um afluxo contínuo, de<br />
uma rara abundância de raios<br />
para o meu corpo (8)”.<br />
Observa-se aí o exemplo da relação entre<br />
os fenômenos elementares e a desordem<br />
cronológica. A clínica psicanalítica<br />
comprova que, na psicose, é impossível<br />
dissociarem-se as perdas da realidade psíquica<br />
das de referência temporal – fator<br />
que revela a desorientação e obnubilação<br />
do paciente, explicitada pela tentativa de<br />
remodelar a realidade através das alucinações<br />
e dos delírios.<br />
Lacan (9) explicita que, para regular o<br />
relógio como instrumento de exatidão, é<br />
preciso uma unidade de tempo, tomada<br />
emprestada, que se refere ao real, pois<br />
volta sempre ao mesmo lugar. Schreber<br />
revela, através da alucinação, que a desar-<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 212