O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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▪ Tempo e estrutura<br />
Freud e Lacan: Caminhos na rede de significantes<br />
Glaucia Nagem<br />
er Lacan nos remete ao<br />
Ltexto de Freud, e a cada retorno<br />
a Freud, temos uma<br />
surpresa. É pelos<br />
caminhos de Freud que<br />
podemos ver o terreno no<br />
qual Lacan se apoiou.<br />
Façamos, então, como<br />
Lacan insiste: ‘Retomemos o texto de<br />
Freud’ (1).<br />
A questão do tempo foi tratada por<br />
Freud com muito apreço. Sua preocupação<br />
ia desde o tempo de duração das sessões<br />
ao tempo do tratamento e mesmo o<br />
tempo do inconsciente. Em Análise terminável<br />
e interminável, ele inicia uma<br />
discussão sobre o encurtamento ou não<br />
do tempo de tratamento. Localiza a<br />
tentativa de Otto Rank como ‘um<br />
produto de seu tempo’ a uma resposta à<br />
urgência que o pós-guerra trouxe a partir<br />
da miséria na Europa e prosperity na<br />
América. Em seu pós-escrito A questão<br />
da análise leiga, isso fica ainda mais claro.<br />
Ele diz: ‘Certo, time is money, mas não se<br />
compreende muito bem por que deve<br />
converter-se em dinheiro com tanta<br />
pressa [...] Os decursos psíquicos entre<br />
consciente e inconsciente têm, pois, suas<br />
condições temporais particulares, que<br />
afinam mal com a demanda<br />
americana’(2).<br />
Vemos ai que o tempo de uma análise<br />
não pode seguir uma lógica cronológica e<br />
menos ainda mercadológica, tanto que na<br />
continuação de Análise terminável e interminável<br />
ele faz uma revisão de seus<br />
conceitos, as suas primeiras ideias sobre<br />
o fim de uma análise, as ideias comuns<br />
sobre alguém analisado e as relações<br />
entre as instâncias psíquicas para dizer,<br />
só no fim, o que viria a ser o término de<br />
uma análise.<br />
Nos deteremos aqui na articulação que<br />
Freud faz do tempo do trauma para pensarmos<br />
por qual caminho podemos<br />
seguir o tempo da constituição de um<br />
sujeito. Para isso, vemos a importância<br />
do conceito de nächtraglich que Freud já<br />
utiliza no ‘Projeto’ quando relata o caso<br />
de Emma. Nele, Freud demonstra como<br />
o trauma se manifesta no ‘só depois’.<br />
No caso Emma, Freud propõe um esquema<br />
que pode ser chamado de rede ou<br />
grafo, conforme define Eidelstein: ‘Chamamos<br />
grafo ou rede à tríade de vértices,<br />
arestas e função, de modo que a cada<br />
aresta corresponde a dois vértices, assim<br />
como à função específica que possuem’<br />
(3).<br />
O que Freud desenha, no caso de<br />
Emma, pode assim ser chamado grafo<br />
ou rede. Ele escreve neste grafo apenas<br />
alguns significantes depois de relatar o<br />
caso desta moça.<br />
Resumidamente, Freud relata que<br />
Emma acha-se dominada atualmente pela<br />
compulsão de não poder entrar nas lojas<br />
sozinha. Como motivo para isso ela citou<br />
uma lembrança da época em que tinha<br />
doze anos, quando ela entrou em uma<br />
loja para comprar algo, viu dois vendedores<br />
rindo juntos e saiu correndo, tomada<br />
de uma espécie de susto. Em relação a<br />
isso, terminou recordando que os dois<br />
estavam rindo de seu vestido e que havia<br />
sentido atração sexual por um deles. Ressalta<br />
ainda que tanto a relação desses<br />
fragmentos entre si quanto o efeito da<br />
experiência são incompreensíveis.<br />
Prosseguindo nas investigações, revelouse<br />
uma segunda cena em que, aos oito<br />
anos de idade, foi duas vezes comprar<br />
doces numa confeitaria, sendo que logo<br />
na primeira o proprietário agarrou-lhe as<br />
partes genitais por cima do vestido.<br />
Apesar disso, voltou lá de novo a agora<br />
se recrimina por essa segunda vez, como<br />
se, com isso, tivesse desejado provocar o<br />
atentado. E, com efeito, sua torturante<br />
má consciência pode ser atribuída a essa<br />
experiência.<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 149