O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
▪ O tempo e estruturas clínicas<br />
A peversão e o tempo<br />
Vera Pollo<br />
S<br />
e considerarmos a alta incidência<br />
do termo perversão<br />
na doutrina psicanalítica,<br />
talvez nos espante a<br />
pequena frequência d<br />
sujeitos de estrutura<br />
perversa em nossos<br />
consultórios. É que o uso<br />
do termo se estende desde “a perversão<br />
polimórfica da infância” assinalada por<br />
Freud, até o comentário de Lacan, em<br />
R.S.I., de que é preciso que o homem<br />
tome “père-vertidamente” uma mulher<br />
como objeto a causador do seu desejo,<br />
para que mereça o respeito filial,<br />
passando, evidentemente, pela caracterização<br />
da fantasia como “traço perverso<br />
da neurose”.<br />
Em 1957, Lacan propõe a pergunta “O<br />
que é a perversão?”, para, com sua resposta,<br />
afastar a idéia de que ela seria<br />
apenas o índice de algo que parou no<br />
tempo, como um acidente na evolução<br />
das pulsões. Enfatizou que a fórmula<br />
freudiana “A perversão é o negativo da<br />
neurose” não significa que a primeira<br />
deixa ver ‘a céu aberto’ o que a segunda<br />
esconde, indicando que podemos lê-la<br />
como a diferença entre a subjetivação<br />
neurótica e a dessubjetivação perversa. A<br />
fantasia perversa parece estatuir a mais<br />
completa equivalência Eromenos /<br />
Erastes, amado/amante: $ ◊ a = sujeito<br />
desejo de objeto, objeto desejo de sujeito.<br />
Nessa ocasião, Lacan salientou que o<br />
molde da perversão é a valorização da<br />
imagem, a prevalência da dimensão<br />
imaginária.<br />
Em seu livro “A subjectividade por vir”<br />
, Zizec (2004/2006) comenta que já se<br />
tornou lugar-comum falar do laço íntimo<br />
que une a perversão e o ciberespaço. Isto<br />
porque, se o cenário perverso põe em<br />
cena o desmentido da castração, a perversão<br />
só pode ser entendida como uma<br />
forma de defesa contra o motivo “morte<br />
e sexualidade”, consequentemente,<br />
defesa contra a ameaça de finitude (o<br />
tempo real) e contra a imposição<br />
contingente da diferença sexual. O autor<br />
nos lembra, então, que o perverso instala<br />
um universo semelhante ao dos desenhos<br />
animados, onde sobrevivemos ilesos a<br />
todas as catástrofes. Nele, não somos<br />
obrigados a morrer nem a escolher um<br />
dos dois sexos. Como universo da mais<br />
pura ordem simbólica, do jogo de<br />
significante entregue a si mesmo, ele está<br />
desembaraçado da inércia do Real e da<br />
finitude humana. Não corresponde à<br />
realidade em que vivemos, mas à<br />
projeção espacial da fantasia narcísica de<br />
imortalidade.<br />
Nesse sentido, podemos dizer que a<br />
perversão faz existir um grande Outro<br />
imaginário como um deus do tempo, ali<br />
onde a neurose faz existir privilegiadamente<br />
um grande Outro simbólico, deus<br />
do espaço. O resultado, o sabemos, é<br />
que, “preso à hora do Outro”, o neurótico<br />
está sempre adiantado ou atrasado,<br />
procrastinando ou precipitando-se. Em<br />
contrapartida, o perverso encontra<br />
Ebenbild, a imagem exata. Mas são os<br />
ditos neuróticos que denunciam a<br />
existência de um tempo eminentemente<br />
pulsional, se assim pudermos nos<br />
expressar, uma vez que caracterizam o<br />
objeto tempo alternada ou<br />
simultaneamente como falta e como<br />
excesso. Impotência e impossibilidade<br />
enunciam-se como: “Não tenho tempo,<br />
estou sem tempo” e, inversamente:<br />
“Estou perdendo tempo, jogo tempo<br />
fora”. Não se indica, assim, a existência<br />
de uma fantasia em que o tempo é um<br />
fluxo contínuo, tal qual o jorrar dos<br />
significantes?<br />
Em seu texto “A tempo, o que não espera”<br />
, Bousseyroux (2002) ressalta que<br />
o tempo da história só nos faz andar em<br />
círculo, uma vez que o mundo humano é<br />
tórico. O que equivale a dizer que, em<br />
suas relações simbólicas, o sujeito é um<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 223