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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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patológica dela, poderá tornar-se um<br />

sintoma, nomeado de inibição neurótica.<br />

A inibição é exclusiva do eu, ocorre de<br />

forma imposta, seja por consequência de<br />

medida de precaução, seja por empobrecimento<br />

energético. O eu é apresentado<br />

como algo que tem de servir a dois senhores:<br />

o isso e o supereu. Para impedir<br />

o recalque e o conflito, o eu restringe as<br />

suas funções como forma de precaução<br />

contra o supereu. Por isso, a inibição está<br />

frequentemente relacionada à angústia e<br />

ao recalque5.<br />

A importância da inibição para a teoria<br />

psicanalítica vai além do fato de<br />

representar a restrição de uma função do<br />

eu. Freud a explicou como função<br />

motora. Lacan retoma o estudo de tais<br />

conceitos, representando-os na topologia<br />

do nó borromeano através dos registros<br />

“imaginário, simbólico e real”6. A<br />

inibição está localizada num falso buraco,<br />

produzido pela invasão do imaginário no<br />

simbólico, o qual fica reduzido e, como<br />

consequência, restringe-se a<br />

ambiguidade, característica própria do<br />

significante.<br />

“Estar impedido é um sintoma; e inibido<br />

é um sintoma posto no museu”7. O<br />

que Lacan queria dizer com tal proposição,<br />

já que não desenvolve seu significado?<br />

Uma hipótese pode ser levantada:<br />

Existem, num museu, várias coleções de<br />

objetos expostas ao olhar, mas não ao toque;<br />

são peças de arte, descobertas científicas,<br />

entre inúmeras outras, que compõem<br />

uma história localizada no passado.<br />

É como se o sujeito inibido estivesse paralisado<br />

num museu, evidenciando-se aí<br />

um simbólico empobrecido na cadeia associativa.<br />

Cabe o recorte de um caso em início de<br />

análise. Um homem de 40 anos de idade<br />

relata uma inibição de falar e de expor-se<br />

em público – possibilidade que lhe<br />

desencadeia expectativa angustiante e<br />

uma série de sintomas físicos (sudorese,<br />

taquicardia, pressão no peito, bolo na<br />

garganta e angústia). O paciente pertence<br />

a um grupo religioso no qual costumava<br />

realizar tarefas que lhe demandam dirigir<br />

e organizar encontros, falar, cantar e<br />

tocar numa banda para determinadas<br />

plateias. Atualmente, sente-se incapaz,<br />

paralisado, aterrorizado, quando<br />

convidado às mesmas atividades que<br />

antes lhe davam prazer. Frequentemente,<br />

é escolhido para realizar certas tarefas<br />

por apresentar as melhores ideias, porém<br />

cede seu lugar ao Outro. O sujeito<br />

inibido, em geral, mostra-se impedido de<br />

executar o ato, não arrisca e, efetivamente,<br />

não expõe seu desejo, que fica<br />

estagnado.<br />

Numa sessão, o paciente associa tais<br />

sensações físicas com a lembrança que<br />

lhe remete aos 12 anos de idade, ao ganhar<br />

bolsa de estudo e trocar a escola<br />

pública pela particular, onde sua mãe era<br />

funcionária. Não se sentia à vontade<br />

com os outros colegas, pois não<br />

compartilhavam as mesmas vivências,<br />

com exceção do jogo de futebol, quando<br />

era escolhido por suas habilidades. A<br />

lembrança mais marcante relaciona-se a<br />

um professor que não usava livro<br />

didático; suas aulas eram ditadas e, “de<br />

repente”, ele apontava para um aluno e<br />

fazia perguntas sobre a matéria. O<br />

paciente recorda que ficava apavorado<br />

com a possibilidade de ser o escolhido;<br />

por isso, estrategicamente, sentava no<br />

final da sala, escondendo-se atrás dos colegas,<br />

longe do olhar do professor.<br />

Na verdade, tal professor nunca lhe dirigiu<br />

uma pergunta, porém, há dois anos<br />

deste relato à analista, a situação se repete:<br />

ele apresenta um sofrimento angustiante,<br />

semelhante ao sentido na escola.<br />

Durante os cultos religiosos, procura<br />

ficar no fundo da igreja, perto da porta<br />

de saída, longe daqueles que lhe<br />

poderiam pedir algo.<br />

Num segundo momento, associa a<br />

figura do professor à do pastor. Aos 20<br />

anos, engravidou a namorada e foi<br />

chamado pelo pastor para conversar<br />

sobre casamento. Como o jovem decidiu<br />

não se casar antes do nascimento do<br />

bebê, o casal foi excluído do quadro de<br />

membros da igreja, para, só mais tarde,<br />

tornar a ser admitido. Tal situação fez<br />

com que o paciente se sentisse ainda<br />

preso ao significante “de repente”,<br />

escondendo-se atrás do Outro, a fim de<br />

evitar ser, “de repente”, chamado em<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 166

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