17.04.2014 Views

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

▪ O tempo e estruturas clínicas<br />

Tempos do sujeito e o desejo do analista na<br />

clínica<br />

Lenita Pacheco Lemos Duarte<br />

este trabalho abordo<br />

Nalgumas questões de<br />

dois sujeitos, Jane, de<br />

04 anos e João, 84<br />

anos, que a partir de<br />

acontecimentos da ordem<br />

do real, do traumático<br />

– a expectativa<br />

do nascimento de um irmão e a internação<br />

e morte de um filho - desenvolvem<br />

sintomas que os levam à analista.<br />

Procuro ilustrar, por meio de fragmentos<br />

da minha clínica, o que nos apontam<br />

Rosine e Robert Lefort: “A estrutura, o<br />

significante e a relação com o grande<br />

Outro não concernem de maneira<br />

diferente à criança a ao adulto. É isso<br />

que faz a unidade da Psicanálise” 261 . Sob<br />

esta ótica não há uma criança ou um<br />

adulto, há um sujeito e, se há<br />

particularidades, elas decorrem não da<br />

idade ou do fato de ser um “sujeito pequeno<br />

ou grande”, mas da relação do sujeito<br />

com o gozo. A criança desde cedo<br />

faz escolhas que orientarão a lógica de<br />

sua existência, ou seja, faz escolhas de<br />

gozo dentro de uma estrutura<br />

determinada pelo sintoma e pela fantasia<br />

dos pais. A diferença entre uma criança e<br />

um adulto é o encontro com o outro no<br />

ato sexual, ou seja, o gozo sexual com o<br />

qual se defrontará na adolescência.<br />

Além destas pontuações teóricas,<br />

ressalto a questão do desejo do analista.<br />

Dois tempos, dois sujeitos. Oitenta<br />

anos cronológicos os separam. Jane<br />

chega à consulta trazida pela avó,<br />

preocupada com o comportamento da<br />

neta: muito ansiosa, agressiva e<br />

dispersiva na escola. No primeira sessão<br />

chega cantando alto a música da Branca<br />

de Neve. Depois exclama: “Quero matar<br />

a fada porque ela não é carinhosa<br />

261<br />

MILLER, J. (org.) A criança no discurso analítico:<br />

Zahar editor, 1991, p.13.<br />

comigo!” Começa a desenhar uma figura<br />

humana dizendo: “ Essa sou eu, mamãe,<br />

vovó e você, todas numa só.”<br />

Continuando: “Hoje fiz um pouco de<br />

coisa errada. Bati no papai e na mamãe,<br />

mas no meu irmão fiz o maior carinho!<br />

Parei de fazer malcriação.” Malcriação?”,<br />

pontua a analista. “É, porque não gosto<br />

de menino”. Que menino? “É o Flávio, o<br />

meu irmão que vai nascer. Papai e mamãe<br />

me batem prá valer quando faço negócio<br />

errado!”<br />

Jane ilustra suas histórias pintando flores,<br />

sereias, o sol, o céu, o mar, a chuva, o<br />

vento, o tubarão, o monstro baleia e os<br />

“passarinhos tristes”. Pontua a analista:<br />

Tristes? “É, porque o caçador quer comêlos”,<br />

diz Jane. Enquanto pinta, cantarola:<br />

“Rum ram rum é o tubarão. Ele não queria<br />

comer a menina porque achou ela bonitinha.<br />

Então ele beijou ela. Mé,mé,mé,<br />

pe, perepepe, mam, mam, mesticuia” O<br />

que é isso? “Mesticuia é uma coisa triste,<br />

que fica com saudade. Plucaiate<br />

também”. Depois Jane pergunta: “Posso<br />

chupar o pelinho do pincel?” Segundo<br />

Soler, “A fala irresponsável da criança [...]<br />

é solidária de uma fronteira fluida entre a<br />

fantasia e a realidade” 262 . Convém dar<br />

seu peso na psicanálise com as crianças<br />

pequenas a dimensão fabulatória da fala,<br />

que é o índice de uma posição em relação<br />

ao gozo, ainda incompletamente decidido.<br />

É por meio de desenhos, e de representações<br />

de personagens de histórias infantis,<br />

advindos de significantes apresentados<br />

pelos Outros – pais, mães, avós e<br />

substitutos – que ela tenta expressar sua<br />

angústia, ciúme e a ambivalência afetiva<br />

diante da aproximação do nascimento do<br />

262<br />

SOLER, C. “Le désir du psychanalyste – Où<br />

est la différence?”, In: La Lettre Mensuelle, Paris: n.<br />

131, p.10- 12, jul. 1994 . Tradução : Sonia<br />

Magalhães.<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 209

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!