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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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▪ O tempo e estruturas clínicas<br />

O seppuku de Mishima: a derradeira erotização da<br />

morte<br />

Maria H. Martinho<br />

K<br />

imitake Hiraoka nasceu<br />

em Tóquio em 14 de janeiro<br />

de 1925, membro<br />

de uma família<br />

burguesa, foi criado<br />

como um herdeiro do<br />

trono imperial. Adotou<br />

o pseudônimo Yukio Mishima – que<br />

passaria a usar por toda a sua vida -, aos<br />

dezesseis anos quando publicou seu<br />

primeiro romance, A floresta em pleno<br />

esplendor (1941). Mishima foi o mais<br />

famoso dos autores nipônicos de sua<br />

época. Quase todos os seus dramas<br />

visam à estética trágica, baseada no tripé,<br />

juventude, beleza e morte. Esse texto<br />

pretende destacar alguns aspectos da<br />

história do escritor japonês extraídos da<br />

criação literária do próprio autor, nos<br />

quais ele descreve e formaliza episódios<br />

de sua vida, de seu romance familiar,<br />

deixando transparecer o modo que utiliza<br />

para negar a castração do Outro: o<br />

desmentido (Verleugnung), ilustrando assim,<br />

de forma paradigmática o que é a<br />

estrutura perversa para a psicanálise. O<br />

texto procura ressaltar o que há de<br />

singular na perversão de Mishima: ele<br />

deveria perseguir a dissolução de todas as<br />

polaridades - “a carne e o espírito”, “o<br />

corpo e as palavras”, “o amor e o<br />

desejo”, “a arte e a ação”, até aos<br />

extremos da derradeira erotização da<br />

morte que foi seu suicídio.<br />

Na infância conjuga: solidão, erotismo<br />

e morte<br />

Em Confissões de uma máscara (1949),<br />

Mishima mistura realidade e ficção.<br />

Através da narrativa do protagonista<br />

desse romance Mishima confessa cenas<br />

de sua própria vida extraídas das suas<br />

mais remotas lembranças que conjugam<br />

o erotismo e a morte. A lembrança de<br />

uma cena ocorrida aos quatro anos de<br />

idade passou a persegui-lo. O encontro<br />

com um jovem latrineiro com quem<br />

cruzou na estrada representa para o<br />

menino algo da ordem de um sacrifício<br />

heroico que continha o auge da<br />

sensualidade. “Um jovem descia a vertente<br />

carregando uma canga de baldes de<br />

fezes noturnas num ombro [...] Estava<br />

vestido como um operário e calças justas<br />

de algodão azul-escuro, do tipo chamado<br />

“puxa-coxas” (1949, p. 11). Olhando<br />

para o jovem sujo o menino ficou<br />

“sufocado pelo desejo”. O desejo tinha<br />

dois pontos de enfoque: as calças justas e<br />

o ofício de latrineiro. A calça justa<br />

contém uma carga de erotismo e o ofício<br />

de latrineiro de “tragédia”. Isso fez com<br />

que o menino pensasse: “quero me<br />

transformar nele”, “quero ser ele”. Dali<br />

por diante quer “ser ele”, tornar-se<br />

coletor de excrementos e vestir aquela<br />

roupa colada no corpo. Ser latrineiro<br />

parecia ao menino poder desempenhar<br />

um ofício heroico semelhante ao<br />

martírio. O protagonista de Confissões<br />

de uma máscara descreve uma outra cena<br />

marcante vivida aos quatro anos de idade<br />

que retrata o fascínio que sentira diante<br />

da figura de um cavaleiro montado “enfrentando<br />

a morte”. No instante que lhe<br />

é explicado que aquele belo cavaleiro era<br />

uma mulher – Joana d’Arc -, e não um<br />

homem seu encantamento pela figura se<br />

desfaz, pois a “morte trágica” se dissocia<br />

da figura do “cavaleiro” másculo, viril.<br />

Outra cena extraída das lembranças da<br />

tenra infância explicita o fascínio do menino<br />

pelo destino trágico, pelo sujo, fedorento,<br />

pela morte. O cheiro de suor das<br />

tropas de soldados que passam diante do<br />

portão de sua casa. “Anseio apaixonado<br />

por coisas como o destino dos soldados,<br />

a natureza trágica de seu apelo, as terras<br />

distantes que veriam, as maneiras como<br />

morreriam...” (1949, p. 16). “Tinha predi-<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 225

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