O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
O TEMPO NA DIREÃÃO DO TRATAMENTO
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um espelho colocando-se o observador<br />
atrás do quadro e observando seu<br />
reflexo por meio de um orifício feito na<br />
própria pintura. Nesse esquema óptico,<br />
o olho ocupa um ponto fixo, calculado<br />
para que a imagem no espelho lhe<br />
devolva a visão do artista.<br />
Posteriormente esse artifício não será<br />
mais necessário, basta fazer com que o<br />
olhar escoe pelas linhas que conduzem<br />
a esse ponto para que o espectador<br />
tenha a sensação de profundidade<br />
calculada pelo criador da cena. A<br />
perspectiva fornece às pinturas um<br />
terceiro eixo que lhes confere volume e<br />
amplia o espaço permitindo assim<br />
novas formas de representação para a<br />
dimensão temporal. Sendo talvez mais<br />
preciso, a questão que aqui se coloca é a<br />
possibilidade de se derivar uma<br />
estrutura temporal a partir de uma<br />
representação espacial. Vejamos como<br />
essa questão é tratada por um dos mais<br />
representativos nomes da pintura desse<br />
período: Masaccio. Nascido em 1401<br />
em Castel San Giovanni, cidade<br />
próxima a Florença, Masaccio constitui<br />
com Brunelleschi e Donatello os<br />
pioneiros da revolução renascentista da<br />
pintura, arquitetura e escultura<br />
respectivamente. Influenciado, segundo<br />
Argan, pela retomada de uma<br />
concepção teológica em que a verdade<br />
religiosa embora racional deveria<br />
revelar-se pela “evidência literal da<br />
forma 280 ” e não por demonstração<br />
argumentativa, Masaccio procura<br />
alcançar a “forma total”, isto é “a<br />
unidade formal absoluta entre espaço e<br />
tempo.” Um exemplo dessa tentativa<br />
pode ser encontrado em sua obra A<br />
Trindade. Ocupando toda uma parede da<br />
Igreja de Santa Maria Novella, Masaccio<br />
representa Cristo crucificado encimado<br />
pelo Espírito Santo sustentados pela<br />
figura de Deus Pai (cuja representação<br />
era pouco usual até então). A<br />
perspectiva aqui é utilizada para marcar<br />
um corte entre o espaço profano,<br />
cotidiano (representado pelas figuras<br />
dos patrocinadores da obra) e o espaço<br />
sagrado, absoluto, daquilo que já foi,<br />
280<br />
Idem, p.42.<br />
ainda é, e sempre será; o lugar portanto,<br />
do eterno. O espaço não é aqui um vazio<br />
a ser preenchido por uma cena qualquer<br />
ou uma sucessão de eventos, mas um<br />
espaço que engendra uma determinada<br />
temporalidade. Nas palavras de Argan:<br />
“Masaccio compreende que, para<br />
representar o verdadeiro sentido do<br />
dogma, é preciso representar na mesma<br />
cena a causa e o efeito, até torná-los<br />
idênticos. Assim essa trindade, toda<br />
constituída por triangulações espaciais,<br />
não ilustra seu tema, mas o representa<br />
estruturalmente. Consegue evitar o<br />
símbolo e a alegoria, substituindo-os por<br />
uma representação que encarna e torna<br />
evidente por si mesma 281 ”. Masaccio<br />
“enforma” o tempo sem que isso<br />
conduza ao singular do instante, o que se<br />
encontra aí é o universal do eterno. Mas,<br />
como articular tempo e espaço em uma<br />
obra que retrata um episódio composto<br />
de várias cenas sem necessariamente<br />
utilizar uma sucessão cronológica? O<br />
quadro O Tributo foi pintado por<br />
Masaccio nos anos de 1427-28 para a<br />
Capela Brancacci e representa o episódio<br />
em que ao ser cobrado para entrar na<br />
cidade de Cafarnaum, Cristo diz a Pedro<br />
para pescar um peixe que<br />
milagrosamente trará em sua boca uma<br />
moeda para pagar o imposto. Embora<br />
trate de eventos que se sucedem no<br />
tempo a cena não está representada<br />
convencionalmente da esquerda para<br />
direita, mas organizada segundo a<br />
hierarquia dos fatos o que implica uma<br />
hierarquização do espaço, a organização<br />
espacial do quadro segue uma exigência<br />
ética: o centro deve ser ocupado pelo<br />
evento mais significativo, ainda que isso<br />
contrarie a sucessão temporal do<br />
episódio. Masaccio sabe que o fato<br />
fundamental dessa passagem não o<br />
milagre (tanto que o representa de<br />
maneira pouco definida e à margem do<br />
quadro), mas a simultaneidade dos<br />
gestos de Cristo e Pedro: “À indicação<br />
ali!, corresponde a execução ali! 282 ”. O<br />
movimento é condensado em uma<br />
forma única: a ação e a reação tornam-se<br />
281<br />
Idem, p.43.<br />
282<br />
Idem, p.46.<br />
Heteridade 7<br />
Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 240