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O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

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jo da transferência e seus avatares, num<br />

percurso que nada tem de linear.<br />

Ana inicia suas entrevistas, reticente:<br />

não sabe se fica com o analista de muitos<br />

anos por já conhecer toda sua história ou<br />

se quer começar “tudo de novo” comigo.<br />

Fui indicada pelo colega de trabalho<br />

como a que não dá “significações pessoais<br />

no tratamento, não exige que o paciente<br />

venha todos os dias, pague<br />

adiantado, ou que a sessão seja uma<br />

tortura de 50 minutos” (palavras dela)<br />

diferente de seu analista. Um dia chega<br />

no horário, senta e espera porque supõe<br />

que a placa na minha porta indicava para<br />

aguardar. Depois de um tempo, saio e<br />

pergunto por que não bateu, já que a<br />

placa indicava que podia bater. Ela cai<br />

em prantos, pergunta como posso ficar<br />

sozinha. Ao perceber a incoerência da<br />

pergunta diante do meu silêncio, única<br />

intervenção possível (!) diz que é assim<br />

na vida: acha-se inconveniente com os<br />

filhos adolescentes, com o marido, com<br />

as poucas amigas, no exercício de<br />

comando exigido pela profissão. Afirma<br />

que fala as coisas erradas, nos momentos<br />

mais impróprios e relata um problema<br />

muito grave que está enfrentando no<br />

trabalho... Diz que ultimamente tem<br />

pensado em desistir de viver: “se não<br />

fosse o remédio não levantaria da cama”.<br />

Diante de uma pergunta sobre levantar<br />

da cama, relaciona que teve vergonha de<br />

falar ao analista de muitos anos com<br />

medo de ser “mal interpretada”, um fato<br />

que não é falado por ninguém da família,<br />

pois é motivo de muita vergonha para a<br />

mãe: ela nasce quando seu pai já não<br />

tinha “como levantar da cama”.<br />

A partir daí relaciona sua cena infantil e<br />

o lugar enigmático que desde sempre respondia<br />

ao desejo do Outro – a nostalgia<br />

de ocupar um lugar para um pai<br />

imobilizado e uma mãe atarefada com os<br />

outros filhos.<br />

Lacan (9), em Variantes do tratamento padrão,<br />

adverte que o analista quando<br />

acredita saber, convertido em quem<br />

detém a experiência, induz a construção<br />

de padrões – tendo como resultado um<br />

“tratamento tipo”, excluindo aqueles<br />

sujeitos que não respondem à proposta<br />

formalista. Nesse escrito fundamental,<br />

ele recoloca o analista em sua posição<br />

ética: “O analista, com efeito, só pode<br />

enveredar por ela (psicanálise do<br />

particular) ao reconhecer em seu saber o<br />

sintoma de sua ignorância”. De um<br />

inconsciente como lugar estático e de<br />

sentido obscuro tomado pelos pós-freudianos,<br />

faz brotar uma concepção<br />

dinâmica, de um sujeito representado<br />

pelo significante em movimento a outro<br />

significante.<br />

Formatar o tratamento, fazer uma reeducação<br />

emocional, norteado apenas na<br />

sugestão, sem lugar para o desejo, que é<br />

deixado transparecer na demanda, como<br />

Lacan evoca na Direção da Cura(10), a<br />

ponto de fechar a boca e deixar a paciente<br />

no leito, como pudemos observar no<br />

caso Ana, parece ser a preocupação de<br />

Marc Strauss na mesma revista Heteridade,<br />

no texto: As sessões breves (10). Demonstrando<br />

o avanço dado por Lacan desde<br />

A direção da Cura – a passagem do<br />

imaginário ao simbólico – ao O Aturdito -<br />

passagem dos ditos ao dizer, ou seja, a<br />

palavra como resposta de gozo à<br />

castração que leva o discurso no qual o<br />

sujeito está tomado, ele também propõe<br />

dois tempos para a análise:<br />

1) tempo da elaboração fálica com sessões<br />

de tempo variável, onde o sujeito<br />

ativa seu cenário, elabora, constrói, testemunha<br />

sua historia;<br />

2) sessões breves como o modo de alcançar<br />

o mais além dos ditos, apontando<br />

o dizer em sua radicalidade, correspondendo<br />

ao atravessamento da fantasia.<br />

Na pressa nossa de cada dia, as sessões<br />

breves não podem nos servir de padrão,<br />

sob o risco de voltarmos a uma prática<br />

tão inexata quanto aquela denunciada por<br />

Lacan. Desta feita, invocando o tempo<br />

lógico para justificar uma condução de<br />

tratamento que nada teria de lógica... Melhor<br />

seria seguirmos Gil:<br />

Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei<br />

Transformai as velhas formas do<br />

viver<br />

Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda<br />

não sei<br />

Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei...<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 129

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