17.04.2014 Views

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

▪ A psicanálise e o discurso capitalista<br />

Há, ainda, tempo para a Psicanálise?<br />

Sérgio Marinho de Carvalho<br />

ciência moderna provocou<br />

transformações<br />

A<br />

fundamentais no eixo de<br />

compreensão que o<br />

homem possui de si<br />

mesmo. Até o fim da<br />

Idade Média era o poder<br />

da religião que dominava<br />

as mentes humanas. A ciência moderna,<br />

por sua vez, trouxe à baila uma nova<br />

concepção de autoridade. A querela<br />

envolvendo Galileu é um momento<br />

exemplar dessa questão e marcou o<br />

conflito radical entre um principio de<br />

autoridade calcado no enunciador – o<br />

poder temporal da Igreja – e um<br />

princípio de autoridade fundado na<br />

lógica interna dos enunciados,<br />

independente do enunciador, que passou<br />

a caracterizar o novo saber emergente, a<br />

ciência. A ciência, e o discurso que lhe é<br />

subjacente, criaram uma nova situação<br />

social caracterizada pela substituição da<br />

relação mestre-sujeito por uma relação<br />

saber-sujeito. 296 Esse novo saber não<br />

possui um enunciador mas estrutura-se<br />

nas leis e relações lógicas que lhe são<br />

próprias e que independem de qualquer<br />

autoridade enunciadora. Esse aspecto é<br />

bastante relevante pois aponta para o<br />

fato de que o sujeito, no discurso da<br />

ciência, é excluído.<br />

Outro aspecto importante a ser salientado<br />

é que o surgimento da ciência moderna<br />

coincide com o surgimento do<br />

modo de produção capitalista. Quem<br />

aponta com clareza essa questão é o<br />

sociólogo Robert Kurz. Diz ele: “O<br />

triunfo da ciência natural sobre o<br />

pensamento crítico da sociedade e sua<br />

entronização como "a ciência não é obra<br />

do acaso. Isso porque a ciência natural<br />

moderna e a ordem social capitalista<br />

dominante têm uma origem histórica<br />

296<br />

Ver LEBRUN, J-P. op. cit., pág. 53<br />

comum”. 297 Para Kurz, a prevalência das<br />

ciências naturais como o modelo de<br />

ciência tem sua razão de ser no<br />

desenvolvimento do sistema capitalista na<br />

medida em que elas “forneceram um<br />

paradigma de ‘objetividade’ sem sujeito”.<br />

Isso permitiu ao capitalismo atingir seu<br />

estágio atual de transformação em que<br />

tudo é intercambiável e tem um preço<br />

bem definível.<br />

Do ponto de vista da ciência, esse processo<br />

culminou na “medicalização da<br />

vida”, isto é, na difusão social, mediante<br />

o discurso da ciência, de que os<br />

problemas habituais da existência<br />

humana, que causam angústia,<br />

sofrimento, desamparo, etc, são, na<br />

verdade, oriundos de disfunções<br />

bioquímicas perfeitamente corrigíveis<br />

mediante o devido diagnóstico e a devida<br />

prescrição médica. Essa “coisificação” da<br />

existência humana, tal qual promovida<br />

pelas ciências biológicas, é concomitante<br />

à “coisificação” da existência humana<br />

promovida pelo sistema capitalista. Lebrun<br />

salienta que a contemporaneidade é<br />

determinada pela substituição das ideologias<br />

antigas pela ideologia da tecnociência:<br />

“(...) Doravante, não há mais necessidade<br />

de projeto para sustentar a existência,<br />

nem de recurso ao mito para inventar<br />

o sentido, não há mais necessidade de reconhecer<br />

ao Terceiro seu lugar (...)”. 298<br />

De fato, não se trata de que não existam<br />

mais ideais, mas que o ideal adquiriu conotações<br />

negativas, isto é, o ideal é não<br />

ter ideal algum, é ser, simplesmente, conforme<br />

aquilo que se apresenta. Com isso,<br />

o sofrimento humano desprende-se da<br />

frustração provocada pelo registro do<br />

Simbólico e liga-se, justamente, à recusa<br />

em aceitar os limites que o Simbólico impõe.<br />

A incerteza e o risco, que movem o<br />

297<br />

KURZ, R. O Homem reduzido. Folha de São<br />

Paulo – 3.10.1999.<br />

298<br />

LEBRUN, J-P. op. cit.; pág. 132<br />

Heteridade 7<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano 290

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!