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Revista de Letras - Utad

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208 Henriqueta Maria GonçalvesSe cruzarmos o texto <strong>de</strong> Carlos Reis e <strong>de</strong> Ana Cristina Macário Lopes como <strong>de</strong> Jorge Laiginhas, verificamos um interessante movimento do discursocientífico, neste caso o histórico, no sentido <strong>de</strong> verificar o que a lenda terátransfigurado do facto histórico, com o propósito <strong>de</strong> este ser apurado; é esse“fundo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” que vai, <strong>de</strong> facto, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar uma investigação que provaráa verda<strong>de</strong>ira i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do primeiro rei português bem como o facto históricoque <strong>de</strong>u origem à lenda.Mas o que torna verda<strong>de</strong>iramente interessante esta relação intertextual entreo romance e a lenda é o facto <strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada altura, sermosconduzidos através <strong>de</strong> uma busca pela veracida<strong>de</strong> da lenda que é pura ficção:gera-se, pois, um exercício <strong>de</strong> ficção sobre a ficção que faz <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar oromance e constitui o seu <strong>de</strong>senlace, qual fio <strong>de</strong> Ariadne:Três semanas <strong>de</strong>pois viajei da cida<strong>de</strong> do Porto, on<strong>de</strong> estudo e trabalho,até à al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> S. Mame<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribatua, minha terra natal. […] Era o mês <strong>de</strong>Maio. Um mês em que os montes estão efusivamente floridos e cheirosos,mas quase impenetráveis. […] E não há qualquer carreiro por on<strong>de</strong> sejapossível ir da al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> S. Mame<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribatua até ao Cachão das LajasMás! (Laiginhas 2007: 10)Com a ajuda <strong>de</strong> uma grua dos Bombeiros Voluntários <strong>de</strong>sci ao fundo<strong>de</strong> uma gruta que existe bem no meio da enorme fraga lisa a que chamamLajas Más – as tais “lagenas malas” que o senhor arcebispo D. MartinhoGeral<strong>de</strong>s, bisneto <strong>de</strong> D. Afonso Henriques, contou para si, evitando quealguém aí buscasse os restos mortais <strong>de</strong> D. Lourenço Viegas – e, sob o pódo fundo da gruta, encontrei um fio <strong>de</strong> ouro com uma gran<strong>de</strong> medalha on<strong>de</strong>se lê:“Ego Alfonsus Rex” (Laiginhas 2007: 140)Jorge Laiginhas re-ficcionaliza, <strong>de</strong>sta forma, a própria lenda que, por suavez, lhe tinha permitido <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar uma pesquisa científica que o levou a pôrem causa a voz da História oficial: entra <strong>de</strong>ntro da história para dar continuida<strong>de</strong>à história que construiu, <strong>de</strong> uma forma jocosa – aí o vemos, numa grua dosbombeiros a <strong>de</strong>scer ao fundo da dita gruta e a encontrar o fio com a medalha queo feito rei por Egas Moniz, seu filho legítimo, oferece ao verda<strong>de</strong>iro rei pordireito, seu meio-irmão, D. Lourenço Viegas, porque, <strong>de</strong> facto, Lourenço Viegasera Afonso Henriques e Afonso Henriques era Lourenço Viegas.Com este discurso ficcional sobre o discurso ficcional não preten<strong>de</strong> JorgeLaiginhas questionar e problematizar a verda<strong>de</strong> histórica? A questão aquiconsi<strong>de</strong>rada foi equacionada em Diálogos com José Saramago <strong>de</strong> Carlos Reis.Carlos Reis coloca a seguinte questão a Saramago: “Até que ponto tem a ficçãolegitimida<strong>de</strong> para dar essa nova versão dos factos [históricos]?” (Reis 1999: 86).Ao que Saramago respon<strong>de</strong>

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