12.07.2015 Views

Revista de Letras - Utad

Revista de Letras - Utad

Revista de Letras - Utad

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

218 Henriqueta Maria GonçalvesDepressa aquela virago triunfante adormeceu e, muito amolecida,entregou-se, como fêmea saída do cativeiro, às carícias do galego FernãoPeres <strong>de</strong> Trava. […] D. Teresa era uma mulher “dulcíssima” mas fibrosa,capaz <strong>de</strong> ofertar as mamas a uma boa peleja! (Laiginhas 2007: 45-46 e 47)Como se po<strong>de</strong> ver, a situação em que é colocada D. Teresa e os comentáriosda voz que narra a história, on<strong>de</strong> se incluem vocábulos pouco próprios <strong>de</strong> umdiscurso sério, ridicularizam a personagem, a situação e fazem com que o leitorleve pouco a sério a “verda<strong>de</strong>” histórica.Como Eça <strong>de</strong> Queirós afirma e Saramago reafirma no texto a que fizemosapelo no início <strong>de</strong>ste estudo do romance <strong>de</strong> Jorge Laiginhas, «a História serásempre uma gran<strong>de</strong> Fantasia».Jorge Laiginhas é um autor <strong>de</strong> vários textos neste romance: o fio narrativopelo qual nos dá a conhecer a sua versão da História, e outros fios narrativosprovindos <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes, todos por si fabricados ourearranjados: pergaminhos (33), cartas <strong>de</strong> Privilégios (33), cartas <strong>de</strong> couto (35)manuscritos da época, alguns tidos como apócrifos (48), a reputadíssimaHistória dos Godos (52), um pergaminho do cartório do Mosteiro <strong>de</strong> Alcobaçasobre a tomada <strong>de</strong> Santarém (91), a crónica <strong>de</strong> D. Afonso Henriques escrita porFrei Brandão, a Descrição <strong>de</strong> Lisboa <strong>de</strong> Damião <strong>de</strong> Góis, o relato da Tomada <strong>de</strong>Lisboa aos Mouros redigido pelo cruzado Randulfus (107), entre outros, algunsdos quais constam <strong>de</strong> uma bibliografia que acompanha o romance. Para além dorecurso a esta multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes, na sua versão da História engastatambém uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes, discursos por si fabricados numa linguagemcom um certo sabor medieval cruzado com um nível popular actual, em algunscasos: a voz <strong>de</strong> D. Afonso VI, <strong>de</strong> D. Teresa, do con<strong>de</strong> D. Henrique, <strong>de</strong> EgasMoniz, <strong>de</strong> Lourenço Viegas, <strong>de</strong> D. Diogo, <strong>de</strong> D. Rodrigo, <strong>de</strong> D. AfonsoHenriques, entre outras. O leitor assiste também à recriação <strong>de</strong> algumas lendascomo acontece com a lenda associada a S. Vicente (114-116).O romance <strong>de</strong> Jorge Laiginhas parece questionar o próprio estatuto douniverso romanesco para além do questionamento da verda<strong>de</strong> histórica,utilizando a estratégia da paródia, transmitindo ao leitor a noção <strong>de</strong> que a vida étoda ela uma gran<strong>de</strong> ficção. De que modo este romance se relaciona com a<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um certo iberismo que o Autor parece querer <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r? Se, <strong>de</strong> facto, osegredo que Lourenço Viegas levou para o fundo do Cachão das Lajas Máspunha em causa a legitimida<strong>de</strong> do Reino <strong>de</strong> Portugal, então o vocábulo“reinação” utilizado no romance po<strong>de</strong> ler-se, numa lógica da ambiguida<strong>de</strong>, comoparódia à própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional e <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> ibérica. A questãopermanece em aberto e a estupefacção do leitor fica também registada na

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!