12.07.2015 Views

Revista de Letras - Utad

Revista de Letras - Utad

Revista de Letras - Utad

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

214 Henriqueta Maria GonçalvesQuando o senhor aba<strong>de</strong> <strong>de</strong>u a missa por dita – Egas Moniz haviaajustado com o aba<strong>de</strong> o rezar <strong>de</strong> uma missa curta, e muita curta -, <strong>de</strong>u voz<strong>de</strong> mando para que todos saíssem, dizendo:– Quero encomendar-me à Virgem e, se esta igreja é minha, queroencomendar-me em particular.Ainda na tar<strong>de</strong> do mesmo dia o nobre mandou que se rezasse umamissa longa:– Nesta tar<strong>de</strong> e nesta igreja seja rezada a maior <strong>de</strong> todas as missas<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi inventado o missal – recomendou ao aba<strong>de</strong>.E, logo pelo benzer da primeira oração, subiu ao altar e anunciou:- Nossa Senhora fez um milagre na pessoa <strong>de</strong> D. Afonso Henriques,aquele que era aleijado e é agora um príncipe e quase rei, sem nenhumaleijão. (Laiginhas 2007: 40-42)Consi<strong>de</strong>remos alguns apontamentos do exercício lúdico da paródia.O espaço em que ocorre a intervenção do sobrenatural configura-se <strong>de</strong> forma<strong>de</strong>sprestigiante, <strong>de</strong>ssacralizada, pouco digna para as personagens que intervêmna acção, a Virgem e Egas Moniz: trata-se <strong>de</strong> um palheiro on<strong>de</strong>, segundo onarrador, ocorrem as sestas da personagem. A Virgem entra em cena pela porta<strong>de</strong> entrada do palheiro, e tem “cara <strong>de</strong> santa […] e cabelos <strong>de</strong> santa, e manto <strong>de</strong>santa, e voz <strong>de</strong> santa”; quando sai, é “com o auxílio das mesmas pernas com quetinha entrado”. A fala da Virgem contém elementos que fazem esboçar o sorrisodo leitor; Ela afirma “Vim do céu cá em baixo” como se os dois espaçosestivessem colocados em paralelo, apenas necessitando <strong>de</strong> uma viagem paratransitar <strong>de</strong> um para o outro. A promessa da Virgem é também risível; aspalavras colocadas na Sua boca são <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> santida<strong>de</strong>: “farei <strong>de</strong>le umintrépido matador <strong>de</strong> infiéis”. O ritual <strong>de</strong> colocação do futuro rei sob os panos doaltar, a utilização da água-<strong>de</strong>-medronho, que vai estar sempre presente nostrajectos futuros <strong>de</strong> Afonso Henriques, são alguns ingredientes que explicitam autilização das aspas e do itálico nas palavras “miraculado” e “graça divina”.A paródia ocorre também no conjunto das referências feitas ao Milagre <strong>de</strong>Ourique que, aliás, dá lugar a um capítulo com o título “De como se prova que areinação tem origem divina”. Não consi<strong>de</strong>raremos a ambiguida<strong>de</strong> do vocábuloseleccionado – “reinação” que vai ter continuida<strong>de</strong> no texto. Centrar-nos-emosapenas em alguns pormenores. O autor textual vai forjar um textopressupostamente oriundo <strong>de</strong> um pergaminho e escrito em primeira pessoa, pelavoz <strong>de</strong> Afonso Henriques, o que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo permite perceber o caráctersubjectivo do que é enunciado. E o que é enunciado tem um sabor jocoso quediverte o leitor e fá-lo subverter os códigos do saber adquirido. Acompanhemoso texto:

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!