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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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possível a participação da vítima (culpa concorrente) na produção <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>, como, <strong>de</strong> resto, tem admiti<strong>do</strong> a jurisprudência em<br />

casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil no Esta<strong>do</strong>”.76<br />

Ora, na esteira das palavras transcritas, o fato concorrente da vítima constitui uma atenuante que diminui a calibração <strong>do</strong> nexo<br />

<strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>, diminuin<strong>do</strong> o quantum <strong>de</strong>beatur. Essa é a opinião <strong>de</strong> Caitlin Sampaio Mulholland que, em tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>fendida na UERJ, resolve o problema a partir <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> da concausalida<strong>de</strong> (soma <strong>de</strong> causas), que po<strong>de</strong> estar presente em casos<br />

envolven<strong>do</strong> o produto ou o serviço. Vejamos suas palavras:<br />

“O segun<strong>do</strong> caso é a, contrario sensu, o <strong>de</strong> uma pessoa que assume o risco <strong>de</strong> sofrer um dano através <strong>de</strong> conduta perigosa, quan<strong>do</strong><br />

tinha capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> antever a realização <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>. Aqui a vítima conhecia e previa a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> evento danoso e aceita o<br />

risco <strong>do</strong> dano, como se fosse um blefe (culpa consciente). Mesmo nessa hipótese não po<strong>de</strong> haver a exclusão da responsabilida<strong>de</strong> por<br />

parte <strong>do</strong> agente. Primeiramente, porque não é possível inferir-se a existência <strong>de</strong> um contrato tácito <strong>de</strong> assunção <strong>de</strong> riscos e exclusão<br />

da responsabilida<strong>de</strong>. E em segun<strong>do</strong> lugar, porque o dano ocasiona<strong>do</strong> teve como causa a conduta <strong>de</strong> um agente. Contu<strong>do</strong>, nesse caso,<br />

existe uma diminuição <strong>do</strong> quantum in<strong>de</strong>nizatório, na medida em que existe a concorrência <strong>de</strong> causas. Um exemplo <strong>de</strong>ste último caso<br />

é <strong>de</strong> uma pessoa que inva<strong>de</strong> um <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> produtos pirotécnicos e o da empresa que não utilizou os meios para promover a<br />

segurança <strong>do</strong> local. Outro exemplo é o da pessoa que atravessa a rua em local permiti<strong>do</strong>, com sinal aberto para ela, mas um carro,<br />

em alta velocida<strong>de</strong> e visivelmente mostran<strong>do</strong> sinais <strong>de</strong> que não vai parar a tempo <strong>de</strong> impedir o dano, a atropela. Há concorrência <strong>de</strong><br />

culpas, pois o pe<strong>de</strong>stre assumiu os riscos <strong>de</strong> sua atitu<strong>de</strong>, por mais que fosse lícita, <strong>de</strong> gerar o dano ocasiona<strong>do</strong>”. 77<br />

Trata-se <strong>de</strong> incidência da máxima da equida<strong>de</strong>, retirada da isonomia constitucional e <strong>do</strong> bom-senso (art. 5º, caput, da<br />

CF/1988). Deve ficar bem claro que o fato concorrente da vítima não é fator exclu<strong>de</strong>nte da responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, mas<br />

simplesmente um fator <strong>de</strong> diminuição <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar. Desse mo<strong>do</strong>, a in<strong>de</strong>nização será fixada com razoabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />

com as contribuições <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s, seja por culpa, fato ou risco assumi<strong>do</strong>.<br />

Na mesma linha <strong>de</strong> análise da concausalida<strong>de</strong>, o próprio proponente <strong>do</strong> Enuncia<strong>do</strong> n. 46 <strong>do</strong> Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, da I<br />

Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, Paulo <strong>de</strong> Tarso Sanseverino, mu<strong>do</strong>u seu entendimento em relação à redação original da proposta anterior.<br />

Em artigo que sintetiza a sua tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>, <strong>de</strong>fendida na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, o jurista expõe, ao<br />

comentar o enuncia<strong>do</strong>, que, “Voltan<strong>do</strong> a refletir, com maior profundida<strong>de</strong>, a respeito <strong>do</strong> tema por ocasião da elaboração da<br />

presente tese, convenci-me, após aprofundar a pesquisa, da possibilida<strong>de</strong> da incidência da cláusula geral <strong>de</strong> redução também na<br />

responsabilida<strong>de</strong> objetiva, revisan<strong>do</strong> posição anteriormente sustentada”.78 O atual Ministro <strong>do</strong> STJ recomenda que a interpretação<br />

<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a gravida<strong>de</strong> da culpa seja substituída pela interpretação segun<strong>do</strong> a relevância da causa. 79 Uma das causas<br />

relevantes que este estu<strong>do</strong> propõe é justamente a assunção <strong>do</strong> risco pelas partes envolvidas com o evento danoso.<br />

Destaque-se que, como argumento para as proposições quan<strong>do</strong> das IV e V Jornadas <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, aduzimos que, em casos<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva fundada no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, po<strong>de</strong> o réu alegar a culpa exclusiva <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r ou<br />

<strong>de</strong> terceiro, visan<strong>do</strong> afastar totalmente a sua responsabilida<strong>de</strong>. Para tal fim, foram cita<strong>do</strong>s os arts. 12, § 3º, e 14, § 3º, ambos da Lei<br />

8.078/1990, que preveem tais exclu<strong>de</strong>ntes. Dessa forma, foi argumenta<strong>do</strong> que, se o suposto agente po<strong>de</strong> o mais, que é alegar a<br />

exclu<strong>de</strong>nte total <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> para afastar a in<strong>de</strong>nização, po<strong>de</strong>ria o menos, que é atestar a conduta concorrente, visan<strong>do</strong><br />

diminuir o quantum in<strong>de</strong>nizatório.<br />

Em reforço, juntou-se, nas ocasiões, notório julga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o qual admitiu a discussão <strong>de</strong> culpa<br />

concorrente em ação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva fundada no Código Consumerista. Trata-se <strong>do</strong> famoso caso <strong>do</strong> escorrega<strong>do</strong>r,<br />

normalmente utiliza<strong>do</strong> como fundamento para a tese da concausalida<strong>de</strong> consumerista, diante <strong>do</strong>s riscos assumi<strong>do</strong>s pelo próprio<br />

consumi<strong>do</strong>r:<br />

“Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r. Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência <strong>de</strong><br />

viagens. Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> hotel, que não sinaliza convenientemente a profundida<strong>de</strong> da piscina, <strong>de</strong> acesso livre aos hóspe<strong>de</strong>s.<br />

Art. 14 <strong>do</strong> CDC. A culpa concorrente da vítima permite a redução da con<strong>de</strong>nação imposta ao fornece<strong>do</strong>r. Art. 12, § 2º, III, <strong>do</strong> CDC.<br />

A agência <strong>de</strong> viagens respon<strong>de</strong> pelo dano pessoal que <strong>de</strong>correu <strong>do</strong> mau serviço <strong>do</strong> hotel contrata<strong>do</strong> por ela para a hospedagem<br />

durante o pacote <strong>de</strong> turismo. Recursos conheci<strong>do</strong>s e provi<strong>do</strong>s em parte” (STJ – REsp 287.849/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Ruy<br />

Rosa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aguiar – j. 17.04.2001 – DJ 13.08.2001, p. 165).<br />

Na verda<strong>de</strong>, julga<strong>do</strong>s mais recentes <strong>do</strong> STJ reconhecem o fato concorrente <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r como fator atenuante: “Agravo<br />

regimental no agravo <strong>de</strong> instrumento. Responsabilida<strong>de</strong> objetiva. Culpa concorrente. Agravo regimental improvi<strong>do</strong>. Na<br />

responsabilida<strong>de</strong> objetiva é <strong>de</strong>snecessário discutir a culpa <strong>do</strong> agente, uma vez que sua responsabilida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> culpa;<br />

entretanto, po<strong>de</strong>-se discutir a culpa concorrente ou exclusiva da vítima. Agravo regimental improvi<strong>do</strong>” (STJ – AgRg no Ag<br />

852.683/RJ – Quarta Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 15.02.2011 – DJe 21.02.2011). Na mesma linha, em li<strong>de</strong> relativa<br />

à frau<strong>de</strong> bancária praticada por meio <strong>de</strong> cheque furta<strong>do</strong>, em que ficou <strong>de</strong>vidamente comprovada a falta <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> por parte <strong>do</strong>

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