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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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Deve ficar claro que, para o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, a hipossuficiência ou vulnerabilida<strong>de</strong> (a última, conforme as<br />

<strong>de</strong>cisões) <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>vidamente <strong>de</strong>monstrada para que se mitigue a teoria finalista. Nesse senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>cisão extraída <strong>do</strong> seu<br />

Informativo n. 236:<br />

“Em ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por danos morais e materiais, a empresa alega a suspensão in<strong>de</strong>vida <strong>do</strong> fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica<br />

pela concessionária. Por outro la<strong>do</strong>, a ré sustentou preliminares <strong>de</strong> ilegitimida<strong>de</strong> ativa, incompetência da vara <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r por não existir relação <strong>de</strong> consumo e inépcia da inicial. O Tribunal a quo manteve a <strong>de</strong>cisão agravada que rejeitou as<br />

preliminares. Daí o REsp da concessionária ré. A Turma, em princípio, examinou a questão relativa à admissibilida<strong>de</strong> e<br />

processamento <strong>de</strong>sse REsp e reconheceu que, como a discussão versa sobre competência, po<strong>de</strong>ria influenciar to<strong>do</strong> o curso<br />

processual, justifican<strong>do</strong>, pela excepcionalida<strong>de</strong>, o julgamento <strong>do</strong> REsp, sem que ele permanecesse reti<strong>do</strong>, conforme tem admiti<strong>do</strong> a<br />

jurisprudência. A Turma também reconheceu a legitimida<strong>de</strong> ativa da recorrida, pois cabe à locatária, no caso a empresa, o<br />

pagamento das <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> luz (art. 23 da Lei <strong>do</strong> Inquilinato). Mas proveu o recurso quanto à inexistência <strong>de</strong> consumo e a<br />

consequente incompetência da vara especializada em <strong>Direito</strong> <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. Argumentou-se que a pessoa jurídica com fins<br />

lucrativos caracteriza-se, na hipótese, como consumi<strong>do</strong>ra intermediária e a uniformização infraconstitucional da Segunda Seção<br />

<strong>de</strong>ste Superior Tribunal perfilhou-se à orientação <strong>do</strong>utrinária finalista ou subjetiva, na qual o consumi<strong>do</strong>r requer a proteção da lei. O<br />

Min. Relator ressaltou que existe um certo abrandamento na interpretação finalista a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res profissionais,<br />

como pequenas empresas e profissionais liberais, ten<strong>do</strong> em vista a hipossuficiência. Entretanto, no caso concreto, a questão da<br />

hipossuficiência da empresa recorrida em momento algum restou reconhecida nas instâncias ordinárias. Isso posto, a Turma<br />

reconheceu a nulida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atos processuais pratica<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>terminou a distribuição <strong>do</strong> processo a um <strong>do</strong>s juízos cíveis da comarca.<br />

Prece<strong>de</strong>nte cita<strong>do</strong>: REsp 541.867-BA” (STJ – REsp 661.145/ES – Rel. Min. Jorge Scartezzini – j. 22.02.2005).<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, julga<strong>do</strong> mais atual, que afastou a aplicação <strong>do</strong> CDC à relação contratual para aquisição <strong>de</strong> insumos para a<br />

agricultura, por se tratar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> produtor rural. Como reconhece o próprio acórdão, a conclusão <strong>de</strong>ve ser pela existência da<br />

relação consumerista no caso <strong>de</strong> pequena agricultura <strong>de</strong> subsistência:<br />

“<strong>Direito</strong> civil. Produtor rural <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte. Compra e venda <strong>de</strong> insumos agrícolas. Revisão <strong>de</strong> contrato. Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r. Não aplicação. Destinação final inexistente. Inversão <strong>do</strong> ônus da prova. Impossibilida<strong>de</strong>. Prece<strong>de</strong>ntes. Recurso especial<br />

parcialmente provi<strong>do</strong>. I. Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> produtor rural e o contrato referin<strong>do</strong>-se, na sua origem, à compra <strong>de</strong> insumos<br />

agrícolas, não se aplica o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, pois não se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatário final, conforme bem estabelece o art. 2º<br />

<strong>do</strong> CDC, in verbis: ‘Consumi<strong>do</strong>r é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como <strong>de</strong>stinatário final’.<br />

II. Não haven<strong>do</strong> relação <strong>de</strong> consumo, torna-se inaplicável a inversão <strong>do</strong> ônus da prova prevista no inc. VIII <strong>do</strong> art. 6º, <strong>do</strong> CDC, a<br />

qual, mesmo nas relações <strong>de</strong> consumo, não é automática ou compulsória, pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> criteriosa análise <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r a fim <strong>de</strong><br />

preservar o contraditório e oferecer à parte contrária oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provar fatos que afastem o alega<strong>do</strong> contra si. III. O gran<strong>de</strong><br />

produtor rural é um empresário rural e, quan<strong>do</strong> adquire sementes, insumos ou <strong>de</strong>fensivos agrícolas para o implemento <strong>de</strong> sua<br />

ativida<strong>de</strong> produtiva, não o faz como <strong>de</strong>stinatário final, como acontece nos casos da agricultura <strong>de</strong> subsistência, em que a relação <strong>de</strong><br />

consumo e a hipossuficiência ficam bem <strong>de</strong>lineadas. IV. De qualquer forma, embora não seja aplicável o CDC no caso <strong>do</strong>s autos,<br />

nada impe<strong>de</strong> o prosseguimento da ação com vista a se verificar a existência <strong>de</strong> eventual violação legal, contratual ou injustiça a ser<br />

reparada, agora com base na legislação comum. V. Recurso especial parcialmente provi<strong>do</strong>” (STJ – REsp 914.384/MT – Terceira<br />

Turma – Rel. Min. Massami Uyeda – j. 02.09.2010 – DJe 01.10.2010).<br />

Como se po<strong>de</strong> notar, o enquadramento <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da presença <strong>de</strong> uma parte qualificada como gran<strong>de</strong> ou<br />

pequena, forte ou fraca. Assim, ainda ilustran<strong>do</strong>, se um advoga<strong>do</strong> adquire insumos para seu escritório, haverá relação <strong>de</strong> consumo,<br />

mesmo sen<strong>do</strong> os bens utiliza<strong>do</strong>s para sua pequena produção. Por outra via, se um gran<strong>de</strong> escritório adquire tais insumos, não<br />

haverá relação <strong>de</strong> consumo. Do mesmo mo<strong>do</strong>, o raciocínio serve para o médico que adquire seringas (pela relação <strong>de</strong> consumo) e<br />

para o hospital que faz o mesmo (pela não existência da relação <strong>de</strong> consumo). Fica então a dúvida a respeito da situação em que o<br />

adquirente tem um porte médio. Em casos tais, tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r, se ele é um jurista maximalista ou não. Na verda<strong>de</strong>, no<br />

último caso, po<strong>de</strong>-se falar em um posicionamento minimalista, pouco explora<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina, mas existente.<br />

A encerrar a exposição a respeito da teoria em questão, didático julgamento <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2012 expõe muito bem quais os limites<br />

<strong>do</strong> finalismo aprofunda<strong>do</strong>. De acor<strong>do</strong> com a publicação constante <strong>do</strong> Informativo n. 510 <strong>do</strong> STJ, “a <strong>de</strong>terminação da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva <strong>do</strong> art. 2º <strong>do</strong> CDC,<br />

consi<strong>de</strong>ra <strong>de</strong>stinatário final tão somente o <strong>de</strong>stinatário fático e econômico <strong>do</strong> bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.<br />

Dessa forma, fica excluí<strong>do</strong> da proteção <strong>do</strong> CDC o consumo intermediário, assim entendi<strong>do</strong> como aquele cujo produto retorna para<br />

as ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> produção e distribuição, compon<strong>do</strong> o custo (e, portanto, o preço final) <strong>de</strong> um novo bem ou serviço. Vale dizer, só<br />

po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, para fins <strong>de</strong> tutela pelo CDC, aquele que exaure a função econômica <strong>do</strong> bem ou serviço,<br />

excluin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>finitiva <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo. Todavia, a jurisprudência <strong>do</strong> STJ, toman<strong>do</strong> por base o conceito <strong>de</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r por equiparação previsto no art. 29 <strong>do</strong> CDC, tem evoluí<strong>do</strong> para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às<br />

pessoas jurídicas, num processo que a <strong>do</strong>utrina vem <strong>de</strong>nominan<strong>do</strong> ‘finalismo aprofunda<strong>do</strong>’. Assim, tem se admiti<strong>do</strong> que, em

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