#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves
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para <strong>de</strong>signar esse novo fenômeno.<br />
Como bem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> pela melhor <strong>do</strong>utrina, a exclusão <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “interesse” coletivo e difuso <strong>do</strong> âmbito <strong>do</strong>s direitos só<br />
po<strong>de</strong> ser explicada por uma estreita concepção <strong>de</strong> direito subjetivo, com nítidas marcas <strong>de</strong> um liberalismo individualista, que exigia<br />
a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> titular como condição para a existência <strong>de</strong> um direito28. E, até mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa visão clássica e ultrapassada,<br />
passou a se admitir uma distinção entre os chama<strong>do</strong>s interesses, que foram <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s como simples – não tuteláveis<br />
jurisdicionalmente – e legítimos (jurídicos) – tuteláveis da mesma forma que os direitos subjetivos.<br />
Como se po<strong>de</strong> notar, é possível que a distinção pretendida entre direito subjetivo e interesse legítimo tenha alguma importância<br />
em países que mantêm diferentes estruturas jurisdicionais para tutelar cada um <strong>de</strong>les. É o caso, por exemplo, da Itália, país no qual<br />
os direitos subjetivos são postula<strong>do</strong>s perante a Justiça ordinária ou contenciosa civil, enquanto os interesses legítimos são<br />
postula<strong>do</strong>s perante a Justiça administrativa. Não é esse, entretanto, o caso <strong>do</strong> Brasil, que tem uma jurisdição una e indivisível, que<br />
tutelará tanto o interesse legítimo como o direito subjetivo, caso efetivamente existam diferenças entre eles.<br />
Na realida<strong>de</strong>, os valores <strong>de</strong> interesse da coletivida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, que um dia foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s meros interesses<br />
e <strong>de</strong>pois passaram a ser vistos como interesses legítimos, atualmente <strong>de</strong>vem ser contempla<strong>do</strong>s como direitos subjetivos. Daí a<br />
absoluta <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar, tanto no âmbito legislativo como no <strong>do</strong>utrinário e jurispru<strong>de</strong>ncial, a se referir a interesses<br />
quan<strong>do</strong> se tratar <strong>de</strong> tutela coletiva, bastan<strong>do</strong> para a compreensão <strong>do</strong> tema a utilização <strong>do</strong> termo “direito”.<br />
Compreen<strong>de</strong>-se a corrente <strong>do</strong>utrinária que prefere a utilização <strong>do</strong> termo interesse a direito, por consi<strong>de</strong>rar que nesse caso<br />
amplia-se o objeto <strong>de</strong> tutela por meio <strong>do</strong> processo coletivo 29 . Contu<strong>do</strong>, tenho a impressão <strong>de</strong> que essa preocupação, apesar <strong>de</strong><br />
legítima e bem-vinda, não tem qualquer consequência prática, porque não consigo imaginar um “interesse” difuso, coletivo e<br />
individual homogêneo que não possa ser trata<strong>do</strong> como direito subjetivo 30 .<br />
Diante <strong>de</strong> todas as consi<strong>de</strong>rações tecidas a respeito da diferença <strong>de</strong> interesse – em especial, o legítimo – e o direito subjetivo, e<br />
constatada a absoluta irrelevância <strong>de</strong> distinção entre ambos no tocante à tutela jurisdicional no plano coletivo, prefiro me valer<br />
exclusivamente <strong>do</strong> termo direito.<br />
Existem fundamentalmente três espécies <strong>de</strong> direitos materiais tutela<strong>do</strong>s pelo microssistema coletivo: difusos, coletivos e<br />
individuais homogêneos. É preciso também incluir as previsões específicas no Estatuto da Criança e A<strong>do</strong>lescente e no Estatuto <strong>do</strong><br />
I<strong>do</strong>so a respeito da <strong>de</strong>fesa pelo Ministério Público <strong>de</strong> direitos individuais indisponíveis por meio <strong>de</strong> ação coletiva, que também<br />
serão trata<strong>do</strong>s no presente capítulo.<br />
O art. 81, parágrafo único, da Lei 8.078/1990 conceitua essas três espécies <strong>de</strong> direitos coletivos lato sensu, sen<strong>do</strong> relevante sua<br />
distinção sob a ótica acadêmica e mesmo prática, em especial a diferença entre os direitos genuinamente coletivos e aqueles apenas<br />
aci<strong>de</strong>ntalmente coletivos.<br />
11.2.3.<br />
<strong>Direito</strong> difuso<br />
Nos termos <strong>do</strong> art. 81, parágrafo único, I, <strong>do</strong> CDC, os interesses ou direitos difusos são transindividuais, <strong>de</strong> natureza<br />
indivisível, <strong>de</strong> que sejam titulares pessoas in<strong>de</strong>terminadas e ligadas por circunstâncias <strong>de</strong> fato. Como se po<strong>de</strong> notar <strong>do</strong> conceito<br />
legal <strong>de</strong> direito difuso, essa espécie <strong>de</strong> direito é composta por quatro elementos cumulativos.<br />
Afirmar que o direito difuso é transindividual é <strong>de</strong>terminar a espécie <strong>de</strong> direito pelo seu aspecto subjetivo, qual seja, o seu<br />
titular. O direito transindividual, também chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> metaindividual ou supraindividual, é aquele que não tem como titular um<br />
indivíduo. Nas corretas lições <strong>de</strong> Teori Albino Zavascki, “é direito que não pertence à administração pública e nem a indivíduos<br />
particularmente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s. Pertence, sim, a um grupo <strong>de</strong> pessoas, a uma classe, a uma categoria, ou à própria socieda<strong>de</strong>,<br />
consi<strong>de</strong>rada em seu senti<strong>do</strong> amplo”31.<br />
Nota-se que o conceito <strong>de</strong> direito transindividual é residual, aplican<strong>do</strong>-se a to<strong>do</strong> direito material que não seja <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um indivíduo, seja ele pessoa humana ou jurídica, <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong> ou público. No caso específico <strong>do</strong> direito difuso, o titular é a<br />
coletivida<strong>de</strong>, representada por sujeitos in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s e in<strong>de</strong>termináveis. São direitos que não têm por titular um só sujeito nem<br />
mesmo um grupo <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>de</strong> sujeitos, referin<strong>do</strong>-se a um grupo social, a toda a coletivida<strong>de</strong>, ou mesmo a parcela significativa<br />
<strong>de</strong>la.<br />
O segun<strong>do</strong> elemento é a natureza indivisível, volta<strong>do</strong> para a incindibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito, ou seja, o direito difuso é um direito que<br />
não po<strong>de</strong> ser fraciona<strong>do</strong> entre os membros que compõem a coletivida<strong>de</strong>. Dessa forma, haven<strong>do</strong> uma violação ao direito difuso,<br />
to<strong>do</strong>s suportarão por igual tal violação, o mesmo ocorren<strong>do</strong> com a tutela jurisdicional, que, uma vez obtida, aproveitará a to<strong>do</strong>s,<br />
indistintamente.<br />
Nesse senti<strong>do</strong> a melhor <strong>do</strong>utrina:<br />
“1.º) os interesses e direitos difusos são aqueles que dizem respeito aos bens indivisíveis; 2.º) os bens indivisíveis, a seu turno, são