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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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Conforme analisa<strong>do</strong> no item 11.6, a coisa julgada coletiva só vincula os indivíduos se os beneficiar, não haven<strong>do</strong> sua vinculação<br />

quan<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo coletivo for negativo. Pelo sistema da coisa julgada secundum eventum litis in utilibus, uma<br />

eventual condução <strong>de</strong>ficitária <strong>do</strong> processo coletivo jamais seria capaz <strong>de</strong> afetar os indivíduos, que, mesmo diante <strong>do</strong> insucesso <strong>do</strong><br />

processo coletivo, po<strong>de</strong>riam obter tutela jurisdicional em ações individuais.<br />

Concor<strong>do</strong> com as críticas lançadas a tal argumento, porque, se é verda<strong>de</strong> que os indivíduos não são prejudica<strong>do</strong>s como titulares<br />

<strong>de</strong> direitos individuais correlatos ao direito coletivo lato sensu discuti<strong>do</strong> no processo coletivo, não há maiores dúvidas <strong>de</strong> que o<br />

serão como membros da coletivida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>. Diferentemente <strong>do</strong> que enten<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da <strong>do</strong>utrina, a sentença<br />

<strong>de</strong> improcedência <strong>do</strong> processo coletivo faz coisa julgada material, só sen<strong>do</strong> admitida sua repropositura na hipótese <strong>de</strong> prova nova<br />

em razão da coisa julgada secundum eventum probationis. Pior ainda no direito individual homogêneo, em que a coisa julgada<br />

material se opera <strong>de</strong> forma tradicional, pro et contra e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da motivação da <strong>de</strong>cisão.<br />

Significa que, uma vez conduzi<strong>do</strong> o processo coletivo <strong>de</strong> forma precária ou ten<strong>de</strong>nciosa pelo autor, e sen<strong>do</strong> julga<strong>do</strong><br />

improce<strong>de</strong>nte o pedi<strong>do</strong>, se o problema não tiver si<strong>do</strong> a ausência <strong>de</strong> provas, a <strong>de</strong>cisão tornar-se-á imutável e indiscutível, <strong>de</strong> forma<br />

que aquele direito difuso ou coletivo que foi objeto <strong>do</strong> processo jamais po<strong>de</strong>rá ser tutela<strong>do</strong>142. Esse é um sacrifício que não po<strong>de</strong><br />

ser simplesmente ignora<strong>do</strong>, ainda que diante das diferentes técnicas <strong>de</strong> formação da coisa julgada aplicáveis na tutela coletiva<br />

brasileira.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, argumenta-se que a presença indispensável <strong>do</strong> Ministério Público, seja como autor ou como fiscal da lei,<br />

impe<strong>de</strong> que o autor conduza o processo <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sidiosa ou ten<strong>de</strong>nciosa. Concor<strong>do</strong> com essa tese, e acredito realmente que a<br />

exigência legal <strong>de</strong> presença obrigatória <strong>de</strong> um órgão tão sério, aparelha<strong>do</strong> e especializa<strong>do</strong> na <strong>de</strong>fesa da tutela coletiva seja uma<br />

salvaguarda interessante no tocante a garantir a efetiva atuação judicial em prol <strong>do</strong> direito <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> no processo coletivo.<br />

Há, entretanto, restrições. Na ação popular, por exemplo, o Ministério Público só po<strong>de</strong> assumir o polo ativo na hipótese <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sistência ou aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> processo pelo autor popular. Também nos direitos individuais homogêneos haverá limitações no<br />

tocante à legitimação ativa <strong>do</strong> Ministério Público, que só po<strong>de</strong>rá atuar nas hipóteses <strong>de</strong> direito indisponível ou <strong>de</strong> direito disponível<br />

com repercussão social. Nesses <strong>do</strong>is casos, o Ministério Público será obriga<strong>do</strong> a participar como mero fiscal da lei, e mesmo que<br />

sua atuação seja relevante para uma prestação jurisdicional <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong>, sempre sofrerá algumas limitações postulatórias.<br />

Por fim, os po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> juiz no processo coletivo são aguça<strong>do</strong>s, exigin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> uma atuação ativa e vigilante para<br />

que eventual <strong>de</strong>scompromisso ou má-fé <strong>do</strong> autor não seja <strong>de</strong>terminante no resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo. Ainda que se louve o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> juiz<br />

mais ativo e preocupa<strong>do</strong> com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua prestação jurisdicional, é preciso reconhecer que existem limitações a essa<br />

atuação, até porque o volume <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> nossos magistra<strong>do</strong>s, atualmente, é muito eleva<strong>do</strong>, o que dificulta a atenção que se<br />

preten<strong>de</strong> exigir. Por outro la<strong>do</strong>, o sistema processual continua, mesmo no processo coletivo, a ser misto, mas com prepon<strong>de</strong>rância<br />

<strong>do</strong> dispositivo, <strong>de</strong> forma que a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> autor ainda tem muita relevância na condução <strong>do</strong> processo.<br />

11.4.5.4.4.<br />

Situação atual no Brasil<br />

A <strong>do</strong>utrina nacional se divi<strong>de</strong> nitidamente em <strong>do</strong>is grupos no tocante à representativida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada. Um primeiro grupo<br />

enten<strong>de</strong> que o sistema a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> é ope legis, não caben<strong>do</strong>, portanto, ao juiz analisar no caso concreto a efetiva condição/disposição<br />

<strong>do</strong> autor em conduzir o processo coletivo143. Esse grupo se divi<strong>de</strong> em duas correntes: (i) os que enten<strong>de</strong>m que o sistema a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

por nosso legisla<strong>do</strong>r é o i<strong>de</strong>al, e (ii) os que consi<strong>de</strong>ram que, <strong>de</strong> lege ferenda, o i<strong>de</strong>al seria modificar a lei para a a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> sistema<br />

ope iudicis. E há um segun<strong>do</strong> grupo que enten<strong>de</strong> que o sistema atual já admite a conclusão pela aferição ope iudicis da<br />

representação a<strong>de</strong>quada 144 , afirman<strong>do</strong> que a presunção legal <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação na representação prevista em lei é apenas relativa, sen<strong>do</strong>,<br />

portanto, admissível a produção <strong>de</strong> prova em senti<strong>do</strong> contrário 145 .<br />

Sou partidário da segunda corrente <strong>do</strong>utrinária <strong>do</strong> primeiro grupo, porque enten<strong>do</strong> que o controle da a<strong>de</strong>quada representação <strong>do</strong><br />

autor da ação coletiva evitaria processos coletivos sem condições <strong>de</strong> tutelar o direito <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>, que atualmente sobrevivem em<br />

manifesto atenta<strong>do</strong> aos princípios da economia processual e segurança jurídica. E ainda evitaria a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processos<br />

coletivos que versam sobre o mesmo tema, em muitos casos propostos por autores sem qualquer condição para uma boa condução<br />

<strong>do</strong> processo.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, é preciso lembrar que, mesmo nos sistemas <strong>de</strong> controle ope iudicis, a eventual constatação <strong>de</strong> que o autor não<br />

tem efetivamente condições <strong>de</strong> melhor tutelar o direito discuti<strong>do</strong>, ainda que posterior ao encerramento <strong>do</strong> processo, afasta a<br />

vinculação <strong>do</strong>s membros <strong>do</strong> grupo ao resulta<strong>do</strong> negativo (collateral attack). Na realida<strong>de</strong>, como bem lembra a melhor <strong>do</strong>utrina, a<br />

representação a<strong>de</strong>quada no sistema da common law não é somente um requisito <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> da ação coletiva, limitada ao<br />

ingresso <strong>do</strong> processo, porque essa matéria não preclui, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o juiz extinguir o processo por ina<strong>de</strong>quação da representação a<br />

qualquer momento, seja por fato superveniente ou pela constatação <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> enganosa a percepção prévia sobre a a<strong>de</strong>quação da<br />

representação146.

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